Jorge Chacinou Minha
Família
Parece que toda gente respeita Jorge,
mas o que posso dizer é que ele matou minha família toda, só eu fiquei para
semente e mesmo assim não tenho onde depositar, porque não encontro com quem.
Primeiro ele matou papai, quando ele
apenas foi conversar, queria bater um papo, papai era muito amistoso, muito
cordato, muito educado, todo mundo na vizinhança o conhecia, ele era muito
apreciado. Cuidadoso e gentil, ele socorria todo mundo que podia nos
churrascos, era exímio acendedor de fogo, ajudava a levar encomendas daqui para
lá e trazer na volta de suas viagens aéreas. Amistoso papai era, era o próprio
retrato da amizade, brincava com as crianças das redondezas, elas riam que só
elas, ele levava a gente junto, eu, meus irmãos e irmãs, dois tios por parte de
mãe, vovó e vovó em volta.
Jorge enfiou-lhe a faca.
Deu-lhe várias facadas, aquela faca
grande que ele tinha.
Supostamente papai teria atacado uma
mocinha das redondezas.
Onde?! Como seria possível? Mamãe
tinha um ciúme doentio dele, coisa das antigas, não desgrudava os olhos dele,
tanto assim que nesse dia estava do lado.
Sem dó nem piedade Jorge esfaqueou-o à
vista de todos, crueldade tremenda que ninguém tinha visto antes, as pessoas
ficaram pasmadas, de boca aberta, sem ação.
Eu não entendo porque ainda chamam
Jorge de santo.
SÃO
JORGE E O DRAGÃO, DIZEM ELES
(o gemido dos escondidos)
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Quando mamãe, horrorizada, correu para
acudir aos prantos, cuspindo fogo como todos cuspimos em razão da ardência
estomacal, Jorge disse que se sentiu provocado e matou-a também. Várias
senhoras boas da vizinhança não agüentaram a cena e desmaiaram. Chamaram o
médico, mas era tarde para mamãe.
Então, num acesso de fúria Jorge
entrou na nossa casa e matou vovó, vovô, os tios, os irmãos e as irmãs.
Só eu sobrei porque estava brincando
no fundo da caverna e por lá mesmo fiquei, sem qualquer reação por dias a fio,
até que fugi pela chaminé e vim embora pedir asilo na Inglaterra. Depois que
passei pela infância e a adolescência, já na idade adulta comecei a colocar
anúncios nos jornais. Tenho medo de colocar na Internet um pedido de encontro
com alguma fêmea remanescente, pois o Jorge poderia saber e vir atrás de mim.
Talvez ela tenha passado pela mesma coisa.
Matriculei na universidade, em engenharia
de minas, caldeiraria.
Vivo assustado, não durmo direito,
estou tomando sedativos e sendo consultado pelos psicanalistas. Trauma de
infância.
Fazer o quê, né? Assim é a vida.
Serra, quarta-feira, 13 de junho de
2012.
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