quarta-feira, 9 de agosto de 2017


A Tensão das Pré-Cidades na Criação das Ruas

 

                            Veja que nas pós-cavernas, antes mesmo das pré-cidades, quando as cavernas cresceram tanto internamente que borbulharam para fora e foram crescendo com bolhas-quarto subindo umas sobre as outras (isso terá acontecido durante largo tempo, de modo que nas primeiras cidades, mesmo em Jericó, deve se apresentar esse tipo de conformação). Espalharam-se por toda parte, um amontoado tremendo, como uma colméia, só que desorganizada pelas vontades neandertais (sapiens N) e sapiens (S sapiens). Em algum momento o emaranhado tornou-se tão denso que a memória humana não podia mais dar conta, custando muito tempo e esforço chegar à residência do par fundamental, algo de especialmente difícil para as crianças pequenas e mais ainda para os homens, porque as mulheres, por natureza, têm boas memórias.

                            A solução do confronto memória x desconforto psicológico foi que em algum momento a memória foi ultrapassada (sabemos disso porque temos ruas). As ruas não são “naturais”, são inventadas; são artificiais, separam as pessoas. São antagônicas, adversas, conflitantes e opõe as pessoas. Essa separação ou disjunção não era entendida, a defesa da tribo esteve sempre em sua união permanente – e foi isso que nos tornou humanos e vitoriosos. Separação era índice de loucura e debilitação. O ostracismo, ser expulso da tribo, equivalia à morte (no Aurélio Século XXI digital: S. m. 1 Em Atenas e outras cidades da Grécia antiga, desterro temporário determinado em plebiscito contra um cidadão. [Cf. óstraco.] . 2 P. ext. Afastamento (imposto ou voluntário) das funções políticas. 3 Exclusão, proscrição, banimento; exílio. 4 Repúdio, repulsa). Era a negação de pertencer ao grupão, ao CORPO DA TRIBO, e conseqüentemente à sua mente; não comungava mais, não pertencia ao conjunto dos vivos.

                            Assim, separar um grupo de casas de outro grupo deve ter sido horrível, tremendamente destrutivo, violência inaudita. Como isso aconteceu? Parece tão simples, pois temos ruas em toda parte e não saberíamos mais viver sem elas - por sua inacreditável utilidade como passeio de gente e de veículos –, ficando até difícil imaginar como é que as pessoas desgostaram de sua introdução remota, bem lá para trás tantos milênios, nas pós-cavernas (pois a sua introdução equivaleu à invenção das pré-cidades, das quais evoluíram plenamente as cidades, outro nome de POPULAÇÃO COM RUAS).

                            Sendo assim, a pré-cidade, evolução ou adiantamento (no sentido de ser futuro) da pós-caverna, deve ter gerado uma tensão enorme no espírito de todos, passando-se milênios antes que as pessoas se acostumassem com aquela novidade não heterodoxa, índice de hostilidade. Quem foi morar pela primeira vez nas casas-separadas? Quem foi o aventureiro, o temerário, o enlouquecido, o imponderado, o demente, o corajoso que se projetou?

                            Pois somos todos descendentes desses loucos.

                            A SEQUÊNCIA DAS LOUCURAS

·       O primeiro que entrou na caverna;

·       A primeira (foi mulher? - pois elas inventaram quase tudo nos primórdios) que criou dentro um separador, o quarto;

·       A primeira bolha-quarto a sair e se candidatar aos perigos externos;

·       A primeira rua criada;

·       A primeira pré-cidade com várias ruas;

·       A primeira cidade e assim por diante.

Somos filhos e filhas de patentes, de inventividades, de coragens de sair, de criatividades, de heterodoxias, de descontentamentos com o passado e a ortodoxia.

E essa heterodoxia, a rua, foi uma das mais tensas de todas.

Vitória, domingo, 28 de novembro de 2004.

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