domingo, 2 de abril de 2017


O Poder do Coletivo

 

                            Dentro do duro princípio italiano de que “quem não trabalha não come”, que minha mãe ficava incutindo em nossas cabeças assustadas de crianças (porque mostrava que o amor estava sempre por um fio), os que não labutassem todos os dias da vida estavam sujeitos a todo tipo de necessidades, inclusive a fome.

                            Quando fiz a operação de coração fiquei dois meses (julho e agosto) licenciado para preparação, tendo realizado a operação a 13 de agosto de 2003, recebendo mais quatro meses, portanto no conjunto de 07 de julho a 07 de janeiro, seis meses. Como recebo bruto perto de sete mil reais e 13,33 salários por ano, no mínimo receberei 13,33/2 x 7,0 = 46,7 mil reais sem trabalhar. É um favor geral, conseguido pelos trabalhadores dos patrões depois de séculos de luta, mas fica a questão do poder do coletivo, que é capaz de sustentar um trabalhador isolado que não está trabalhando. Em relação à visão antiga de trabalho contínuo durante 16 horas por dia agora trabalhamos umas 2.107 horas por ano, que tem 365,25 x 16 = 5.844 horas de vigília, ou seja, constitucionalmente estamos obrigados a 36 % desse tempo, mas na realidade é bem menos, uns 20 % do tempo desperto.

                            Pagamos para quatro pessoas de seguro médico-hospitalar pouco menos de 500 reais por mês à UNIMED, União das Cooperativas Médicas do ES. O cateterismo custava 1,7 mil e dizem que a operação em si 70 mil reais, que eu nunca poderia pagar, mesmo poupando até o osso, ainda mais pensando que esse tipo de coisa pega-nos de surpresa, queiramos ou não. Somente os muito ricos podem dispor de um montante assim sem susto.

                            Com receio de acontecer de eu morrer durante a operação aumentei o seguro de vida até menos de 300 reais de pagamento por mês para um retorno de 200 mil. Ora, se acontece de alguém morrer mesmo isso significa 200/0,3 = 666,7 meses de contribuição, que são 55,6 anos. Nem numa vida toda eu poderia contribuir com o dinheiro que viria a meus filhos para lhes dar embasamento mínimo em razão da minha “falta”. Além disso, o Estado (no caso o estado do ES, seção executiva do governo estadual) continuaria pagando o salário por algum tempo. Se houvesse uma viúva, enquanto ela vivesse, por mais 50 ou 60 anos.

                            É claro que os capitalistas são pessoas terríveis, mas o sistema em geral tem essa dimensão de ajuda. Que foi uma invenção boa do tempo não resta a menor dúvida.

                            Vitória, terça-feira, 11 de novembro de 2003.

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