sexta-feira, 2 de setembro de 2016


Panacéia Universal

 

Assim, sem mais nem menos, aconteceu de Samira deparar com essa fórmula. Na realidade, não foi totalmente ao acaso porque havia preparação tecnocientífica, ela era doutora longamente treinada: nesses casos de visão ampliada, vê-se muito mais coisas em muito mais oportunidades. Sirindipitia, nome difícil para falar de acaso e necessidade, fome e vontade de comer, sorte e atenção.

Por acaso ela manipulou o gel e dias depois começou a se sentir bem demais. Todas as suas dorzinhas daqui e dali que começam a aparecer aos 40 e aos 50 se instalaram em definitivo foram sumindo aos poucos, ela começou a reparar, e meses depois foi como se tivesse de novo 20 anos e poucos e não 50 e poucos.

Primeiro ficou espantada, depois eufórica.

Deu um jeito de colocar no leite do namorado: a mesma coisa, ele começou a melhorar, a artrite foi sumindo, os cabelos pararam de cair e voltaram a nascer pretos, eles conversaram, decidiram dizer que ele tinha começado a pintar o cabelo depois do implante.

Ela fez uma vitamina de banana que sabia que a amiga com cefaléia crônica gostava de tomar. Não só curou a dor de cabeça de décadas como também todas as demais dores, a amiga achou que era milagre, ela não falou nada, não antes de patentear.

Patenteou: Vidanova.

Era, literalmente.

Ela começou a imaginar no mecanismo bioquímico responsável pelos efeitos, foi se aprofundando, aprendeu muito sobre equilíbrio hormonal, mas não pôde ir até o fim porque a fabricação em série depois que saiu da empresa começou a tomar o seu tempo. Fez sociedade com o agora noivo, breve o marido: 1 % já era muito. Amor, amor, negócios à parte. Pegaram capital, os bancos ficaram ansiosos.

Colocaram nomes insossos como subtítulo: defesa hormonal, equilíbrio homeostático, regularização sistêmica. Dizia a verdade, mas era ao mesmo tempo vago.

As pessoas começaram a comprar pensando que servia para uma coisa e iam melhorando de tudo. De tudo, mesmo. E se lançavam à propaganda de boca. Claro, se um remédio melhora a doença, ninguém precisa tomar outro remédio, OUTROS remédios, TODOS os remédios. As pessoas pararam de comprar os outros remédios, dezenas de milhares de fórmulas. De início eram poucos a tomar Vidanova, depois foram muitos e o número foi crescendo.

As empresas farmacêuticas, acreditando que aquilo não iria durar, que rapidamente o Vidanova iria mostrar seus defeitos, não se preocuparam; os meses passaram e dentro de um ano o rombo era enorme. Fábricas fechavam por toda parte, havia desemprego crescente no setor, diretamente, relativo a fabricação de caixas, de tintas, de planejamento, de propaganda. Transportes, estocagem e foi em frente, derrubando dominó por dominó.

As empresas tentaram comprar a empresa Vidanova (que não tinha se diversificado), mas Samira e o marido foram inflexíveis, pensando não somente nos lucros como também na felicidade das pessoas, pois a compradora poderia desativar o produto, bem como falsificá-lo para lhe trazer má fama. Mil coisas poderiam fazer. O dinheiro entrava aos borbotões: bastava uma dose mensal e tudo corria às mil maravilhas.

Do Brasil a empresa Vidanova se espalhou pelo mundo, não havia fronteiras, todos os países queriam comprá-lo, os governantes tanto quanto os governados. Vidanova não fazia distinção de cor, de sexo, de idade, de classe social: curava a todos.

As empresas entraram em pânico.

O pânico não é bom conselheiro.

Milhares ficaram desempregados, centenas de milhares, milhões.

Vidanova não curava só o corpo, de repente começou a curar as doenças mentais, as pessoas se sentiam “numa ótima”, “numa nice”. Desapareceu a compulsão de mentir e enganar. A sonegação reduziu-se a zero, todos pagavam corretamente os impostos, os cofres dos governos começaram a encher, uma nova harmonia reinou, os governos ficaram satisfeitos. Os governados também, porque indo embora o “caixa dois” sonegador das empresas com isso os desvios de verba também desapareceram e obras maravilhosas passaram a ser feitas, ainda mais porque as empresas faziam toda questão de colocar os melhores materiais e de zelar pelos cumprimentos dos prazos, ajudavam na medição correta das obras, entregavam verdadeiras obras primas.

Bom, se não há sonegação, para quê os fiscais? Os fiscais foram encostados, não havia mais concursos. Se não há conflitos, para quê juízes, promotores, advogados, ministério público? Para quê legisladores, se as pessoas desejavam fazer as coisas certas e não precisavam de leis para isso? Lá se foram todos esses do Judiciário e do Legislativo. O Executivo precisava de pouca gente.

E ademais, para quê forças armadas, se ninguém mais desejava fazer guerra? Ninguém queria matar e os alistamentos caíram a perto de zero, no máximo os soldados da ONU cuidavam da defesa civil, com grande número de voluntários, pois todos se ofereciam para ajudar.

Quase todos.

Uns dentre os empresários fizeram uma reunião para ver como matar a Samira e destruir o Vidanova...

Serra, quarta-feira, 08 de fevereiro de 2012.

 

NOTA: de modo nenhum prego a continuação da baderna atual, pelo contrário, Vidanova é extremamente necessário a todos nós.

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