sexta-feira, 2 de setembro de 2016


Olho Vivo

 

Depois de instalar câmeras de vigilância nos postes e no alto dos prédios, nos ônibus, nas praças, nas repartições, nos aeroportos (e ferroviárias e rodoviárias e estações de embarque nos ferryboats e astroportos de Cabo Canaveral/Kennedy, Baikonur, Alcântara e outros), nas ruas, nos portos, nos elevadores, nas televisões e mídia em geral, em toda parte mesmo, algum desocupado (os que trabalham nas universidades são 10 %, diz um amigo; se tomarmos esse índice, 600 mil dos seis milhões de funcionários carregam os demais em termos de trabalho de qualidade, não-enganador) imaginou algo genial (ele mesmo modestamente chamou assim, ganhando o aplauso dos companheiros e companheiras do TP, esperançosos na recíproca): E SE, apenas SE colocássemos câmeras dentro de casa?

- Mas isso é proibido pela constituição!

- Pela constituição? Quando ela foi lançada em 88 nem existiam ainda câmeras.

- Claro que existiam!

- Existiam?

- Sim, é lógico, você é uma besta.

- “Besta é tu, besta é tu, por que não dizer? ”

- Cara, o cinema tem mais de 150 anos.

- Tanto assim?

- Tem.

- Puxa, é bem primitivo, né?

- Bem, voltando ao assunto, na realidade (puxando a constituição na Internet 6.0), veja aqui, a residência é inviolável.

- Não se trata de violar, é mais um auxílio.

- Como você poderia convencer as pessoas que espioná-las é prestar ajuda?

- Bem, elas não se convenceram nas ruas e em todo lugar? E o direito à imagem, não foi ferido? No entanto, elas se deixam filmar à esquerda e à direita PORQUE dissemos a elas que estamos filmando os bandidos e, lógico, elas não se sentem bandidas, acham que bandidos são os outros. O velho princípio de que ninguém é racista, mas sempre conhece um que é.

- Nisso cê tem razão.

- Claro que tenho. A tendência, pela Curva do Sino, é de 50 % aceitar logo de cara. E os outros 50 % a gente pode colocar nas lâmpadas: quem vai desconfiar de lâmpada?

- E os fabricantes de lâmpada, cê acha que eles vão aceitar participar?

- Lógico que vão, principalmente se for oferecido incentivo fiscal.

- E se os juízes descobrirem?

- Colocamos um mecanismo de autodestruição, se tentarem abrir.

- E vamos vigiar os juízes também?

Todo mundo ficou sem graça.

Os homens que tinham barba coçaram a barba, os que não tinham, também. As mulheres passaram batom ou rímel, outras foram ao banheiro. Foi um constrangimento geral.

Vários minutos de silêncio.

Até que alguém tomou coragem.

- É, né?

- E os militares? Você vai querer ver sua casa invadida de madrugada?

- Podemos evitar os quartéis.

- E as casas deles?

Ficaram sem jeito novamente.

- E os banheiros das pessoas, as pessoas peladas, as pessoas transando? E nós, principalmente nós?

- Evitamos comprar aquelas marcas, colocamos lâmpadas comuns, nostalgia, sei lá, cada um inventa a sua.

Mais silêncio.

Implantaram sistemas redundantes para não dar pau, para não falhar. Agora eram 50 milhões de residências telepatrulhadas, monitoradas por supercomputadores que vigiavam as pessoas através de 200 milhões de lugares em residências, em repartições, em estradas, em todo lugar mesmo, fazendo favor ao SUPERIPER GRANDIRMÃO.

Passaram-se anos, veio a reunião de avaliação.

Aquele mesmo cara tinha pensado outro avanço.

- Manos, e se a gente colocasse uma câmera no olho da pessoa? A vigiaria B e B vigiaria A, assim cobriríamos de fato todo o espaço onde houvesse um ser humano e por segurança com os dois olhos, podemos instituir uma consulta obrigatória para ver fundo de olho.

- É mesmo! (Disseram os entusiasmados).

- Mas serão só os humanos?

Serra, segunda-feira, 06 de fevereiro de 2012.

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