terça-feira, 13 de dezembro de 2016


Atlântida

 

                            Um Marc André R. Keppe publicou o livro A Origem da Terra (Geologia – História – Biologia), São Paulo, Próton, 1986, onde, entre outras coisas, fala de Atlântida no Capítulo 2, Queda de Civilizações Imponentes, 4, Atlântida, página 103 e seguintes. Todos os grifos e negritos meus.

                            A primeira linha já diz assim: “Foram inúmeras as interpretações sobre esta civilização (...)”, o que dá a entender QUE HOUVE uma civilização. Primeiro é preciso que haja para só depois perguntarmos se têm características de civilização. Acontece que é justamente a existência, preliminar, que está sendo posta em dúvida.

                            Também a Barsa eletrônica coloca: “Sede de antiga civilização que supostamente existiu (...)” e “(...) essa ilha do continente lendário (...)”. Primeiro coloca a afirmação, “antiga civilização”, e só depois a negação dela, “supostamente”, ou “essa ilha do continente” e a seguir “lendário”. Primeiro a mente toma contato com o positivo e só depois com o negativo.

                            Por quê essa gente não tem o mínimo de correção?

                            O autor citado acima, Marc Keppe, coloca em seu livro os diálogos platônicos Crítias e Timeu, nos quais o mito de Atlântida é relatado, no primeiro por Crítias, neto de Sólon, legislador ateniense que foi ao Egito de então (já com três mil anos de civilização), como algum americano de agora vai à Europa. Naturalmente Sólon contou aos filhos e netos, e Crítias repassou a Sócrates, que a contou a Platão, que a colocou no papel, na época papiro. Se Sólon já tinha alguma idade e se Crítias era um garotinho, algo pode ter se perdido na passagem.

                            Sócrates já tinha alguma idade quando recebeu o jovem Platão como discípulo. Nem ele nem Sólon eram caducos, porém a coisa não veio diretamente dos sacerdotes egípcios, nem houve pesquisa de fonte.

                            O Keppe cita extensamente, mas como não há espaço para tanto, vou destacar passagens e interpretá-las:

                            1) “Esta ilha era maior que a Líbia e a Ásia reunidas (...)”. A “Líbia” de que se fala aqui não é a mesma de agora, área de 1.775.500 km2, população em 2001 de 5,4 milhões, ditadura militar do coronel Muammar Kadafi, PIB indeterminado, indo de US$ 16,2 a US$ 50,0 bilhões. Era então o nome genérico da África. E Ásia era todo o Oriente depois do Crescente Fértil, quer dizer, depois da Suméria, da Mesopotâmia. A África tem 30,3 e a Ásia 44,3 milhões de km2, somando 74,6 milhões de km2. Veja que diz ILHA, portanto cercada de água por todos os lados. Para dizer que era maior tinha que conhecer, ou desconhecer (querendo dizer “muito grande”) ou estar de pilhéria com um estrangeiro crédulo (embora Sólon fosse legislador respeitado).

                            2) “(...) e todos os que se encontram deste lado do estreito”. Um estreito significa uma língua de mar entre duas porções de terra, como o Estreito de Magalhães, situado no extremo sul da América do Sul, onde esta se separa da Ilha Grande, na Terra do Fogo. Onde haveria um estreito nas proximidades de Europa e África, de onde o sacerdote e Sólon conversavam, exceto onde depois foi escavado o Canal de Suez? Por conseguinte estavam separados os dois continentes da África e da Ásia nove mil anos antes de Sócrates, ou 11,5 mil anos de agora, o que pode ser testado pela Geologia – é um pedido direto de prova. Como a África migrou para o nordeste (e a América do Sul para sudoeste) desde a separação de ambas mais de 900 km, pelos meus cálculos, seguramente houve uma passagem. Mas não vale ter sido 70 milhões de anos atrás, quando não existiam seres humanos, e sim tão perto quanto 11,5 mil anos. E Crítias, falando pela boca do sacerdote, diz: “deste lado do estreito”. Quer dizer que na época em que o sacerdote se pronuncia, por volta de 500 antes de Cristo, o estreito forçosamente deveria ainda existir, o que também pode ser testado. De fato o Egito se situa bem diante do atual Canal de Suez.

                            3) “(...) havia sobre as montanhas vastas florestas, das quais subsistem ainda traços visíveis. Pois entre essas montanhas que só podem nutrir as abelhas, as há nas quais não há muito tempo, se cortavam grandes árvores, próprias para montar as mais vastas construções, das quais os revestimentos ainda existem“. Aqui caberia datação de carbono, se tais revestimentos puderem ainda ser achados. Acontece que, na segunda metade do século passado, o XX, os cientistas descobriram com espanto que o Saara já teve água e hipopótamos, bem como grandes florestas, das quais há restos petrificados, bem como população que deixou rastros em cavernas. Segue-se que o sacerdote não estava delirando. E ele continua “(...) e a terra dava aos rebanhos pasto inesgotável. A água fecundante de Zeus que aí escorria a cada ano não escoava em vão, como hoje, para ir perder-se da terra estéril para o mar: a terra a recebia em suas entranhas e recebia do céu uma quantidade que reservava, nas suas camadas (...)”. Ou seja, CHOVIA a ponto de escorrer água que ia até o mar, quer dizer, havia rios perenes.

                            4) “(...) um dilúvio, que foi o terceiro, antes da catástrofe de Deucalião (...)”. Quando e onde os cientistas podem apontar QUATRO dilúvios, um seguido do outro, sendo que o último foi considerado uma CATÁSTROFE? Eis outro pedido de prova bem específico, a sondar nos depósitos aluviais. Catástrofe, no Houaiss, 651, é “acontecimento desastroso de grandes proporções”. Veja que des/astre significa desalinhamento dos astros, quer dizer, abalo provocado por realinhamento planetário, e DE GRANDES PROPORÇÕES é coisa grande mesmo. Deucalião foi, na mitologia grega, filho de Prometeu (o que roubou o fogo dos deuses para dá-lo aos humanos, e foi punido por isso) e marido de Pirra. Deucalião e Pirra, como Noé e esposa e filhos, foram os únicos sobreviventes, tendo se refugiado numa barca que os levou ao Parnaso, um monte, exatamente como no mito bíblico. Um dilúvio, de proporções absolutamente arrasadoras, a ponto de sobrarem apenas duas pessoas.

                            5) Atlântida era “(...) insolente potência que invadia de um só golpe a Europa e toda a Ásia, e que sobre elas se lançava do fundo do oceano Atlântico (...)”. Se estava na Europa e na Ásia não podia invadi-las, assim como os EUA só invadem o exterior; conseqüentemente, sendo o mundo conhecido Europa, Ásia e África, só restava a África. E o sacerdote continua: “Por outra, de outro lado possuía a Líbia, até o Egito, a Europa, até a Tirrênia”. Possuía a Líbia/África até o Egito, e a Europa até Tirrênia, que deu nome ao mar Tirreno, não se sabe se pelo lado da esquerda ou da direita. E repare que é “do fundo do oceano”, o Atlântico, e não outro. Do fundo tem significado tanto de “sob a superfície”, bem para baixo, quanto “de bem longe”, distante. Observe também diz: “(...) diante daquela passagem que chamais de colunas de Hércules (...)”. Com isso as pessoas traçaram uma linha reta e imaginaram que fosse dar nas Américas. Não, absolutamente não! Diz: DIANTE, ou seja, à frente, depois de, o que pode ser em qualquer lugar.

                            E fala em ilha. Ilha é ilha mesmo, uma porção de terra cercada de água, não se pode inventar.

                            Mas na Rede Cognitiva, que a Grade Signalítica mostrou, ilha = FALHA. E, adivinhe, o oceano Atlântico tem 106,5 milhões de km2, de modo que ele é maior que a África/Líbia e a Ásia juntas. Se houvesse uma civilização SOB AS ÁGUAS (que tivesse dominado a África e a Ásia juntas), satisfaria todas as hipóteses. Isso é impossível, mas a lógica do conto o exige. Dessa impossível civilização uma ilha seria o centro emerso, motivo para FC ou fantasia, e revistas em quadrinhos.

                            Não estou advogando a existência de Atlântida. E critérios já os coloquei nos textos do modelo, PORQUE a lógica há de ser preservada em tudo.

                            O próprio Keppe diz, p. 103: “Muito antes de o homem comprovar cientificamente que a Terra fosse esférica, já havia a imagem de Atlas carregando o globo terrestre na mitologia grega”. Seria o caso de buscar um exemplar dessa escultura, para mirar o globo reproduzido, os continentes presentes, etc. Creio que uma ou mais de uma deve (m) ser buscada (s) a todo galope. Achá-la seria fundamental, por milhões de motivos. Existiu ou não existiu. Se há chances, que a procurem metodicamente, cientificamente, com rigor. Se não a acharem, depois de todo esforço sério, que parem o falatório.           Agora, ficar enrolando é que não dá pé. Uns dizendo que sim e outros dizendo que não, ambos os lados se recusando a buscar porque, para os favoráveis o não-achamento seria o cancelamento de ilusões acalentadas, e para os negativistas o achamento os faria candidatos ao deboche.

                            Há tantas coisas para pensar que não podemos nos dar ao luxo de ficar embalando fantasmagorias.

                            Vitória, quarta-feira, 22 de maio de 2002.

Ataques Sutis

 

                            No livro de Michio Kaku, Visões do Futuro (como a ciência revolucionará o século XXI), Rio de Janeiro, Rocco, 2001, ele diz na página 119: “Teólogos cristãos algumas vezes definiram a ‘alma’ como algo independente do mundo material, que existe mesmo após a morte. A teologia cristã, com suas elaboradas recompensas, punições pelo pecado e promessas de vida eterna, afirma a separação da carne e do espírito”, grifo e negrito meus.

                            Como poderiam definir essa separação, distinção, isolamento, desunião do corpo e da alma? Pois não está estabelecido, POR DEFINIÇÃO, que eles ficam juntos durante o período de encarnação? A alma, por assim dizer, “desce” até o corpo que está sendo constituído no útero e com ele se junta, para constituir um corpo-alma único, SEM SEPARAÇÃO até que a morte os separe. Não devemos entender que o corpo tenha uma alma, ou que a alma tenha um corpo, como se fosse algo de fora, mas que são um e o mesmo, temporariamente, durante a vida, sendo ao fim dela apartados.

                            A alma não fica dentro do corpo, como sardinha dentro da lata, e sim constitui um par polar indissolúvel, até que venha a morte. Então não foram os cristãos que afirmaram isso. Na realidade a rebentação se deu com Descartes (francês, 1596-1650, 54 anos entre datas. Tomando 27 como média, lá por 1623 é que a coisa mudou). Como a Reforma é de 100 anos antes (Lutero, alemão considerado o iniciador efetivo dela, viveu de 1483 a 1546, 63 anos entre datas, média em 1515), isso já é resultado da visão de mundo protestante de antagonismo, e não do catolicismo, que é Igreja Católica (universal).

                            O protestantismo e a visão de mundo geral de “racha”, de rompimento, de quebra que trouxe é que proporcionou aquele espírito de que Descartes se valeu para separar (e antagonizar) corpo e mente ou espírito ou alma.

                            Não foi, de maneira alguma, o cristianismo católico.

                            Foi Descartes, especialmente, e dessa separação, propiciadora de uma nova liberdade muito necessária, aliás, se valeram os cientistas, os filósofos e todos que dela necessitavam, para fazer prosperar a visão de incompatibilidade, de desunião irremediável que, exacerbada, tornou-se essa chaga que corrói o mundo todo, hoje.

                            Havendo, no meio científico/técnico e filosófico/ideológico, gente pérfida, ou aqueles que, sem maiores raciocínios, vão acompanhando o humor detestável dessa cambada, muitos ataques frontais, diretos, que são menos daninhos, porque se pode reagir a eles, e subversivos, indiretos e sutis, que passam despercebidos, foram sendo feitos, visando minar as religiões.

         Durante 25 anos fui ateu, dos 18 aos 43, porém nunca me comportei assim, sem respeito pelas crenças alheias. Não sou religioso, contudo é triste ver como as pessoas podem escorregar facilmente para esse tipo de atitude.

              É como a heresia que afirmava que Jesus tinha duas naturezas separadas, a de Deus e a de homem. Seria esperado que Deus não pudesse vencer a separação? É evidente que Deus, infinito, não pode caber inteiro no mundo finito, daí Jesus não poder ser TODO-DEUS, sendo apenas o que de Deus encarna, cabe num corpo humano. Entrementes, seria tolice dizer que as duas naturezas estavam separadas, e que na cruz, símbolo da separação, não tivesse sofrido o Deus-em-carne, apenas o homem, em seus horrores menores. Ali sofreu o Deus a privação que é estar na carne, sem poderes. ESTA é a doação significativa, o rebaixamento por amor até o nível da humanidade - terrestre, fechada planetariamente, e por via de conseqüência menor, provinciana.

              Infelizmente as pessoas confundem tudo.

              Por não pensarem a fundo, elas confundem alhos e bugalhos.

              Vê-se que o pensar em profundidade é a única salvação.

              Vitória, terça-feira, 14 de maio de 2002.

Assimilação do Ocidente

 

                            Assimilação tem muitos sentidos: absorção, apropriação, identificação, conquista, e estes termos ainda outros.             Podemos pensar também em percepção, compreensão, como quando se diz que uma pessoa assimilou o que outra falou.

                            Pois bem, a China vem assimilando o Ocidente neste último sentido, mas os antichineses se prenderão aos demais sentidos, diante do sempre potencializado “perigo amarelo”, de tempos em tempos desenterrado e renovado.

                            Hong Kong, praticamente uma cidade só numa ilha (1.067 km2, cerca de 20 vezes a ilha de Vitória, ES) da baía de Cantão (porto e cidade situada na província de Guangdong, sul da China) foi cedida aos ingleses em 1842 e devolvida por eles em 1997, tendo ficado em sua posse por 155 anos, o que nos parece uma eternidade.           É tida como a economia mais liberal do mundo, mesmo depois da reincorporação, com escritórios de 2,3 mil multinacionais, incluindo 85 dos 100 maiores bancos do mundo. Tem uns seis milhões de habitantes, frente aos 1.300 milhões da China, mais de 200 vezes menos que a antiga e atual pátria. O PIB passa dos 200 bilhões de dólares americanos.

                            Macau era uma província de apenas 16 km2, em posse dos portugueses desde 1557, foi devolvida em 1999, depois de 442 anos. Tem uns 500 mil habitantes e é muitíssimo menos importante que HK. Fica do outro lado da mesma baía.

                            Taiwan ou Formosa nunca foi ocidental, mas foi ocidentalizada. Tem apenas 36.202 km2 (menos que o ES, com 45.597 km2), mas um PIB de US$ 314 bilhões no ano 2000. Em 1949, derrotados pelo Partido Comunista da China, PCC, Chiang Kai-shek e seus partidários fugiram para a ilha e a desenvolveram à Ocidente.

                            Quanto ao PIB chinês, ninguém sabe ao certo. É dado como sendo de perto de um trilhão de dólares em 1999 pelo Almanaque Abril/2000, mas estimado em PIB-produto pensa-se que pode chegar aos dois ou três trilhões.

                            Mesmo contando o PIB visível, a soma de HK, Taiwan e China pode chegar a US$ 1,5 trilhão, o que faz do conjunto a quarta economia do mundo, atrás dos EUA (9,2 trilhões), Japão (4,3 trilhões) e Alemanha (2,1 trilhões), situando-se à frente da França (1,4 trilhão), Grã-Bretanha ou Reino Unido (1,4 trilhão) e Itália (1,2 trilhão), todos em 1999.

                            Os chineses são pacientes e para eles curto, médio e longo prazo não têm o mesmo sentido que para nós, podendo lá ser dez vezes tanto quanto aqui. Se para nós curto prazo seriam cinco anos, lá seriam 50 anos. Eles esperam a absorção dos estrangeiros e dos estrangeirismos.

                            Parece que brigam com Taiwan, mas isso é tudo “foto potoca”, como se dizia há algumas décadas, tudo pose “para inglês (e americano) ver”. Enquanto isso vão absorvendo a tecnociência ocidental. Vão assimilando as diferenças em relação ao mundo – tanto seu entorno imediato, Japão em particular e Ásia em geral, quanto Europa, África, Austrália, Américas (do Sul, Central e do Norte). O certo é que alguns julgam que dentro de 30 anos o PIB chinês pode chegar a 20 ou 30 trilhões, a menos de uma catástrofe.

                            Na prática, mesmo, o Ocidente entregou gentilmente três áreas de transferência de tecnociência, que os chineses pegaram com gosto, bastando esperar 500 anos. E que são 500 anos para eles, que já estão por lá há oito mil anos? Só como civilização contínua, já há três mil e quinhentos anos. Os chineses agem como um só, em bloco, enquanto o Ocidente se separa em centenas de peças.

                            No início parecia que os ocidentais estavam assimilando a China. Só agora estamos vendo o que de fato aconteceu.

                            Vitória, segunda-feira, 06 de maio de 2002.

As Três Invenções Mais Importantes

 

                            Por sugestão de Wagner Luís Borges Fafá, despachante de patentes da CENDI, em Vitória, e presidente do Clube Brasileiro dos Inventores (www.inventar.com.br), fui ao jornal A Gazeta dar entrevista. O jornalista, Walter, me perguntou as duas, depois as três invenções que eu julgava mais importantes. Seria preciso consultar uma lista, porque às vezes a gente deixa escapar algo importante, até crucial.

                            Contudo, na minha opinião, estas são as três mais.

                            A Roda é uma opinião unânime, a primeira de todas, e a mãe de todos os transportes de terra, como carros (automóveis, caminhões, tratores, locomotivas – quem imaginaria uma locomotiva sobre patins?), e do ar, como aviões (eles poderiam pousar sobre colchões de ar?), menos de água.

                            Nas outras duas destoei da opinião geral.

                            O Fósforo é o fogo portátil, a humanidade independente, portadora de luz e de energia transformadora. Não é à toa que Prometeu, que roubou o fogo aos deuses do Olimpo, símbolo dos inventores, foi castigado com torturas eternas pelos ciumentos olímpicos. O fogo é tanto destruidor quanto construtor. Destruidor enquanto descontrolado (um piromaníaco é um sujeito descontrolado) e construtor enquanto controlado. O domínio do fogo é o precursor de todo uso de energia, de toda capacidade humana de conseguir mudar os elementos; porém, antes do Fósforo, era tudo difícil demais, sendo a melhor ilustração, risível e maravilhosa, o filme A Guerra do Fogo. Imperdível, um documento antropológico e geo-histórico que não deveria faltar em nenhum lar, em nenhuma empresa, em nenhum governo, para sempre lembrarmos como éramos atrasados, e ainda somos.

                            O Arco-e-Flecha é a morte à distância. Frisei ao Walter que não estou estimulando as armas, pelo contrário, eu as detesto, tanto ao ato em si como à perspectiva de infantilização potencial que advém de seu uso. Sim, porque as pessoas, pensando que estão crescendo com elas, estão na realidade diminuindo, pois precisam de um ato terminal que substitui o diálogo e o autêntico crescimento psicológico sócio-econômico. Contudo, em termos de evolução, o Arco-e-Flecha levou ao movimento de ataque/defesa, portanto ao aprimoramento da evolução psicológica, e à construção da civilização. Colocando o problema agudo de uma pessoa poder ser morta pela fecha disparada por um arqueiro situado 300 metros além, o par fez a humanidade pensar com afinco. Ele é o pai-mãe de todas as armas, do revólver à bomba H.

                            Talvez eu devesse criar uma lista das 100 ou 200 invenções que julgo as mais significativas, sem, entretanto, colocar uma ordem, deixando as pessoas criarem seu próprio catálogo. Um livro em fichários, permitindo reorientação. Ou, quem sabe, uma lista minha, colocada no fim, para ver com cada leitor (a) as diferenças que ele (a) empresta ao conjunto. Claro, diferentes formações psicológicas, diferentes valores, diferentes classificações.
                            Vitória, quinta-feira, 23 de maio de 2002.

As Duas Vias

 

                            Esse tipo de coisa só acontece na China.

                            Em 1984, nos acordos dos governos da China e do Reino Unido para reincorporação da Hong Kong, falou-se em “um país, dois sistemas”, o que já vinha de Deng Xiaoping, o qual se apoderou do poder depois da morte em 1976 de Mao Zedong (Tsé Tung), chamado de O Grande Timoneiro, ou condutor.

                            Na luta subseqüente com o Bando dos Quatro, a ala moderada saiu vencedora e iniciou as reformas a partir de 1978, no que ficou sinalizado como “economia socialista de mercado” ou “as duas vias”: a China segue socialista, mas adota uma economia de mercado, próxima do ocidental, o que proporciona crescimentos seguidos de mais de 10 % ao ano (ao contrário do “milagre brasileiro”, o impulso dura até hoje, mais de duas décadas de explosão econômica).

                            Quem já viu uma coisa dessas?

                            Em toda parte a mínima abertura ao Ocidente levou à queda da sócioeconomia local, mas lá, não. Resistem já há 24 anos. E, ao contrário do que esperavam os analistas apressados, a China não sucumbiu às promessas ocidentais. Com 1,3 bilhão de indivíduos e 9,5 milhões de km2 de área segue lépida e faceira, como um menininho recém-acordado, cheio de energia, numa sociedade que de existência contínua tem uns 3,5 mil anos, fora o período dos reinos para trás, estendendo-se até seis mil anos antes de Cristo.

                            Em vez de seguir com uma perna só, seguem com duas, mantendo o equilíbrio do corpo e da mente.

                            Não é à toa que se dizem o Império do Centro, quer dizer, entre esquerda e direita.

                            Dispõe de uma religião sem Deus, importada da Índia e desenvolvida ali até os limites, o budismo, de Sidarta Gautama, o Buda (563-483 a.C.), o Iluminado. De uma autêntica religião do Estado só compreendida e aplicada lá, o confucionismo, de Kong Fu Tsé, Confúcio (551-479 a.C.). E de uma religião que não apenas não tem Deus, mas está até além dos mundos, uma teoria do equilíbrio, do T, o taoísmo, de Lao Tsé (por volta de 600 a.C.). Embora o Estado tenha renunciado às religiões, é certo que elas continuam impregnando as elites e o povo, e os governempresas, com uma postura característica altamente firmada em bloco. A extrema proteção do Estado do confucionismo misturada com uma prática dos ciclos do taoísmo, tudo junto do empírico balanceamento das personas do budismo. De um lado o budismo dá comedimento às pessoas (indivíduos, famílias, grupos e empresas), do outro o confucionismo estabiliza os ambientes (municípios/cidades, estados, nação e mundo exterior), enquanto o taoísmo pelo centro diz que o T, ou equilíbrio, é permanente. Além disso, dizem que CRISE é caractere composto de PERIGO + OPORTUNIDADE.

                            Planeja para prazos curtos que no Ocidente seriam julgados longos. Não se assusta com os choques, sabendo que a volta dialética (impressa no taoísmo) trará a incorporação e assimilação dos estrangeiros.

                            É sem dúvida alguma um povelite/nação diferente, um país que deve ser estudado.

                            Quando ameaçado pelo Ocidente, em primeiro lugar criou a República em 1911, depois a República Democrática ou Comunista em 1949 e, em 1978, sob nova ameaça, as Duas Vias. Em vez do monolítico sistema soviético, aceitou “abrir-se” ao estrangeiro, quer dizer, absorvê-lo, o que está se completando com as reincorporações de Hong Kong em 1997, de Macau em 1999 e as conversações com Taiwan, envoltas em falsa crise, por via das quais vai aspirando toda a tecnociência ocidental e japonesa, sequer pagando os direitos de patente, simplesmente copiando tudo. E quem ousa falar alguma coisa?

                            O resultado é que vai emergindo uma verdadeira superpotência permanente, diferente da URSS, estável por si mesma, com a qual não se pode mexer (porque quem gostaria de herdar a carga alimentar de 1,3 bilhão de indivíduos?).

                            Que criaturas!

                            Vitória, terça-feira, 07 de maio de 2002.

A Troca de Info-Controle

 

                            De onde moro pode-se ouvir os gritos de crianças, meninos e meninas, no pátio do SESI, Serviço Social da Indústria, sustentado pela federação das indústrias, nacional, e por sua seção capixaba, a FINDES, Federação das Indústrias do ES.

                            São gritos e gritinhos excitados, de crianças maiores e menores, praticando vários jogos e brincadeiras.

                            No livro Visões do Futuro (como a ciência revolucionará o século XXI), Rio de Janeiro, Rocco, 2001, o autor, Michio Kaku diz, à página 117: “Mesmo ‘diversão’ tem um importante papel evolutivo. Qualquer um que já tenha observado crianças brincando terá notado que suas brincadeiras imitam complicadas interações sociais adultas. As regras de comportamento aceitável da sociedade adulta são bastante complexas, tendo sido desenvolvidas ao logo de milênios; as brincadeiras englobam uma faceta minúscula da sociedade humana e a tornam digerível por crianças. É porisso que elas brincam de ‘polícia e ladrão’, ‘médico’, ‘professor’ e assim por diante.

                            “Somos, é claro, inconscientes de tudo isso. Uma vez perguntei a uma criança por que ela estava se ‘divertindo’ com uma brincadeira de ‘professor’, sugerindo que talvez isso ajudasse a explicar o complicado processo de aprender na escola. Ela olhou para mim, como se eu fosse de Marte, e respondeu autoritariamente: ‘Divertido é divertido. Estou me divertindo porque é divertido’. Pareceu satisfeita consigo mesma, como se tivesse acabado de me dar a explicação definitiva do ‘divertido’”, grifo, itálico e negrito meus.

                            Como nós somos bobocas!

                            Veja que a criança surge sem uma língua psicológica, só com as formestruturas biológicas básicas da nossa espécie, tendo, portanto, apenas as estruturas que permitirão aprendê-la. Se você tem um carro nada garante que vá aprender a usá-lo. Você deve fazer o esforço de aprendizado. Aprender a língua é incomparavelmente mais difícil que aprender a dirigir. Tanto é assim que milhões, bilhões passam a vida sem consegui-lo.

                            Depois, há a formestrutura em camada dos mundos, que são quatro, do primeiro mundo ao quarto. Há distinções sutilíssimas de país a país, sendo eles em volta de 220.

                            Observe que são, segundo dizem, 6,5 mil as profissões, e cada ser humano deve fazer sua escolha, com base nos condicionamentos das classes de riqueza (ricos, médios-altos, pobres e miseráveis), de sexo (masculino, feminino, pseudo-homens e pseudomulheres), de raça (sujeições dos negros/africanos, dos índios/americanos, dos amarelos/asiáticos e dos brancos/europeus), das classes de trabalho (operários, intelectuais, financistas, militares e burocratas), de estatura psicológica (embora haja sete níveis – povo, lideranças, profissionais, pesquisadores, estadistas, santos/sábios e iluminados -, pelo livre arbítrio cada um pode rejeitar sua posição natural e lutar por outra), de inserção no conhecimento (alto: Magia, Teologia, Filosofia e Ciência; baixo: Arte, Religião, Ideologia e Técnica, e no geral Matemática), na construção de sua psique: Figura (quem ele será?), Objetivos (para quê?), Economia/Produção (com quê?), Sociologia/Organização (como?) e Geo-História (ou espaçotempo: quando e onde?), segundo as chaves do SER (CS: memória, inteligência e controle/comunicação) e do TER (CT: matéria, energia e informação), enfim, do info-controle ou IC.

                            E aí vem a Bandeira Elementar: quais são as relações corretas e aceitáveis com o ar, a água, a terra/solo e o fogo/energia, e no centro com a Vida, e no centro do centro com a Vida-racional?

                            Faça o favor de notar que a criança deve enfrentar milhares de situações no decorrer de sua vida, observando o que os adultos fazem. PARA TODO SER, e especialmente todo ser humano, a questão é sempre de decisão, quer dizer, há uma encruzilhada em cada segundo, pedindo escolha. Veja que uma pessoa adulta, de 77 anos (como minha mãe, que nasceu em 18 de agosto de 1924) já viveu até hoje, 23 de maio de 2002, 28.402 dias, dos quais 1/3 de decisões inconscientes, e 2/3 de decisões conscientes, grosso modo. Tomando as horas de vigília, seria coisa de 18,9 mil dias, uns 68 milhões de segundos. Agora, tendo acumulado experiência, ela pode usar o passado como balizamento, como tabela de construção do futuro. A cada segundo ela se guia pelas experiências anteriores, e é menos refém das dúvidas.

                            Uma criança, não. Quando ela emerge do útero, onde esteve superprotegida, só tem experiências de ser alimentada e superprotegida. Do lado de fora deve começar toda uma luta nova. No primeiro segundo tem 1/n do potencial do adulto de maior e melhor experiência, e tempo de vida. Que heranças sociais/civilizatórias/cultas ela recebeu? Não é a mesma coisa uma criança norueguesa supercuidada, que não deve tomar decisão alguma de extrema relevância para a sobrevivência biológica, e uma outra dos lugares mais miseráveis e famintos da Terra.

                            Por outro lado, as crianças dos lugares mais ricos (em todos os sentidos) deve preparar-se com maior voracidade para enfrentamento das pessoambientes (pessoas: indivíduos, famílias, grupos e empresas; ambientes: municípios/cidades, estados, nações e mundo).

                            Quando a gente vê por este ângulo, não é de admirar que as crianças fiquem excitadas. Não é mesmo nada de admirar. Elas NÃO ESTÃO imitando as interações adultas, estão decidindo sobre estas segundo a segundo. Se as crianças fossem os idiotas que os adultos imaginam, como elas poderiam se tornar as criaturas tão espertas que os adultos pensam que são? Pelo contrário, as pessoas, à medida que vão crescendo, tornam-se sempre mais bobas e menos criativas. PORISSO Jesus disse: “sede como crianças”, isto é, participativas, inquisitivas, curiosas, devotadas aos jogos, abertas, etc.

                            As crianças são espertíssimas, os adultos é que somos bobocas.

                            O mundo não se torna mais complexo à medida que vamos crescendo, se torna mais simples. Ele é incomparavelmente mais complexo no primeiro segundo, e todas as infinitas relações dois-a-dois devem ser deslindadas em 1/∞ do tempo (quer dizer, 0 + épsilon, um infinitésimo de cada vez). Claro que, na prática, não é infinito, pois se trata de um universo contingente, mas mesmo assim é um número muito grande.

                            Eis porque as crianças estão excitadas. Elas não estão só jogando bola, que é a visão formestrutural mais externa, estão trocando info-controle/comunicação, ou seja, comunicando decisões de aprendizado geral sobre o banco de informações oferecido pelas pessoambientes. Não foi à toa que a criança disse estar se divertindo. Se não fosse divertido, se fosse aborrecido, ela não teria dito, porque quando se é criança vai-se direto ao ponto, não há tempo a perder. São os adultos que perdem tempo, que se refreiam, como estúpidos que são.

                            Elas ficam excitadas porque não há impedimento, não há limites, e o aprendizado é feito em ritmo aceleradíssimo, intensíssimo, em velocidade que os adultos não sabem acompanhar. Eu me cago de rir quando vejo como os adultos quase todos tratam as crianças, transformando-as em novos adultos mentalmente deformados e sempre desinteressantes. Como aquelas incríveis criaturinhas, belas e deslumbrantes, são colocadas em talas de estreitamento mental, tornando-se esses adultos insossos que vemos, sem um pingo de curiosidade.

                            Como o mundo fica feio, meu Deus!

                            Vitória, quinta-feira, 23 de maio de 2002.

A Questão da Água

 

                            Marc de Villiers, sul-africano bôer agora vivendo na Austrália é autor do livro Água (como o uso deste precioso recurso natural poderá acarretar a mais séria crise do século XXI), Rio de Janeiro, Ediouro, 2002 (original de 1999 – o autor trabalhou como editor no Toronto Life, no Canadá, daí eu presumir que a edição original seja canadense).

                            O livro é formidável, mas poderia ser melhor, com a colocação de quadros, gráficos e outras informações tecnocientíficas válidas e indicativas.

                            É uma descrição jornalística engajada ecologicamente sobre a água e a sua privação crescente nos países.

                            Quando éramos em menor quantidade (agora, saudosos tempos, aqueles) e a pressão de consumo era menor, não só quantitativa/absoluta quanto qualitativa/relativamente, a água era um tanto mais abundante. Depois, com a pressão socioeconômica ou produtivorganizativa, e o crescimento populacional desenfreado, o processo de desertificação, a salinização das lavouras (depósitos de sal por excesso de irrigação da terra/solo), ocupação por construções e para lazer, desmatamento irresponsável, construção de represas (que, se retém a água, também toma espaço de assentamento, deslocando as pessoas para outras terras), em resumo toda a loucura demoníaca antiambiental, a água começou a escassear.

                            O resultado palpável foi que surgiram CONFLITOS DA ÁGUA, o que nunca se tinha visto em intensidade emocional desse porte. Guerras locais pela posse das nascentes ou do trânsito dos rios houve sempre, desde o mais remoto passado humano, desde as primeiras povoações. É a letalidade e virulência dos conflitos que assusta. As pessoas estão se dando conta de que a água é, além de fundamental, recurso não-renovável (nas minas fósseis – lençóis freáticos e aqüíferos) e renovável (rios) muitíssimo precioso.

                            O fato é que 97 % da água estão nos oceanos.

                            Dos três porcento que sobram uma parte está congelada e o que resta vem sendo mal-políticadministrado pelos governempresas. Pessoas (indivíduos, famílias, grupos, empresas) e ambientes (municípios/cidades, estados, nações e mundo) vinham usando como se não fosse acabar, como se Deus viesse pessoalmente repor os estoques e resolver os problemas que nós criamos.

                            Subitamente as pessoas e os ambientes acordaram, pois o que era sonho virou pesadelo.

                            Maurice Strong, creio que um dos fundadores do Clube de Roma está comprando minas d’água em lugares de escassez relativa ou absoluta.

                            Não é só a água.

                            Deve-se frisar a distinção entre recurso, que é a riqueza por fazer, em potencial, e a riqueza, que é o recurso realizado, feito.

                            Portanto é a FALTA DE ÁGUA que se transforma em riqueza.

                            O excesso de água na Amazônia é apenas um recurso, que ninguém compraria, como neve na Antártica ou no Ártico.

                            Devem-se encontrar modos de SERVIR ÁGUA onde ela é escassa e haja poder de compra. Vários índices devem ser visualizados: 1) escassez ou falta, 2) poder de compra, 3) tecnociência de extração e transporte, 4) rendimento dos programáquinas (hardware e software, ou máquina e programa), 5) forçapoder dos governempresas, e por aí afora.

                            São complexas as condições de exploração, porque não é uma coisa qualquer, situada nos limites da irrelevância. É um elemento central da Bandeira Elementar (ar, água, terra/solo e fogo/energia, e no centro a Vida geral – com a Vida-racional situada no centro do centro). Como afeta a todos, não há aí só a racionalidade, a psicologia, o que é propriamente humano – as pessoas voltam ao irracional, ao sentimental, à violência mais pura e indistinta.

                            Logo, embora seja uma das fontes definitivas de riqueza, a Água geral é um ponto delicado, dos mais sensíveis, que deve ser tratado com extremo cuidado desde o princípio, logo na fundação das firmas, exigindo desde o começo políticaministrações da boa-vizinhança, proximidade com a Mídia mundial, departamento de eco-proteção e muitas defesas eficientes, além de investimentos pesados em culturaeducação do povelite/nação.

                            A exploração favorável e interessada desses elementos centrais da Bandeira Elementar deve ser assaz cuidadosa, de modo que as firmas não sejam pegas na contramão das vontades humanas, nem muito menos se eximam de investigar a contrariedade delas pelo sobre-uso dos recursos, mesmo se isso levar ao enfrentamento da fúria temporária dos cegos, dos relapsos, dos mal-intencionados, dos criminosos.

                            Vitória, sábado, 4 de maio de 2002.