sábado, 3 de novembro de 2018


FC nas Escolas

 

Naquela cidade foi instituído esse programa para alunos de segundo grau, a Ficção Científica nas Escolas, depois conhecida como Educação Ficcional ou Curso de Criatividade Literária de Expressão Tecnocientífica, como é oficialmente conhecida.

- Professor, por quê o senhor me deu dois?

- Bem, senhor Jinxi, afora as falhas gritantes em sintaxe e gramática, não creio que eu poderia dar mais que isso no seu trabalho que é, na verdade, bem fraquinho.

- Como assim, professor?

- O senhor conhece o conceito de “fraco”, senhor Jinxi? O oposto de “forte”?

- Não precisa ironizar, mestre, é claro que conheço. O que estou perguntando é como o senhor pode achar fraco meu trabalho?

O professor virou-se para a turma.

- Classe, classe, faz favor... Eu tô vendo o senhor aí, senhor Ginxa, jogando papéis nas moças, vou diminuir sua nota de um ponto. E traga seu pai e sua mãe para falar comigo. E os irmãos Ponxo, podem parar com a palhaçada aí nos fundos, vou adiantar a entrega dos trabalhos dos três em dois dias.

Vendo-se ameaçada a classe silenciou instantaneamente.

- Agora que já temos a atenção de todos, vamos ouvir o senhor Jinxi expor os “méritos” do seu trabalho. Para começar, senhor Jinxi, como o senhor imaginou esse planeta?

- Bem, professor, era para imaginar, né, então imaginei, joguei com as possibilidades, procurei ser audacioso.

- Certo, mas um mundo de oxigênio? O senhor está ciente de que tanto oxigênio na atmosfera pode provocar incêndios?

- Sim, mestre, mas pensei que não...

- Ah, pensou? Então basta pensar, é tudo mágico assim ou é científico, é técnico? O senhor acredita que devemos retornar ao domínio mágico-artístico?

Jinxi, vendo-se assim confrontado, assustou-se.

- Não, professor, de jeito nenhum, que Nosso Senhor Qua não permita. São exercícios de expansão, mestre, não foi o que o senhor disse?

- Sim, vamos que sejam, mas pensei nas conseqüências. O senhor colocou aqui umas coisas chamadas “árvores”. O conceito me ultrapassa, mas o senhor diz que elas estão pregadas no chão: pregadas, como?

- São entes enraizados, senhor, as “raízes” extraem alimento do chão.

- Mas, como? Dei-me ao trabalho de avançar a hipótese para a existência de milhões dessas criaturas e lembrei-me daquele excesso de oxigênio carburante tocando fogo com raios em todo aquele combustível, as “árvores”, com esse fogo se propagando – o senhor está ciente do perigo disso?

A classe começou a rir, alguns gargalhavam.

- Quietos!

- Não tinha pensado nisso, professor.

- Ah, não?

- Não, desculpe.

- E os racionais do lugar, como resistiriam a esse fogo devastador se propagando e incendiando a atmosfera deles?

A classe ficou estarrecida com a hipótese, alguns vomitaram.

- Nós vivemos na atmosfera, construímos na atmosfera, extraímos da atmosfera: O SENHOR ESTÁ CIENTE, SENHOR JINXI, DE QUE TAL FOGO SE PROPAGARIA NA ATMOSFERA?

Jinxi não sabia onde enfiar os tentáculos, de tão constrangido.

Os colegas voavam de cá para lá dentro da sala-esfera.

- É, professor, acho que nem dois eu merecia, tal planeta não pode existir. Como a racionalidade evoluiria num planeta rochoso? Como iriam construir cidades suficientemente grandes fora da atmosfera dos gasosos? Desculpe, professor.

- Está bem, vou lhe dar nova chance, outro trabalho para somar. Quem quer fazer quádrupla com o senhor Jinxi?

Serra, quinta-feira, 05 de julho de 2012.

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