sábado, 3 de setembro de 2016


A Beleza Não Põe Mesa

 

A Beleza era empregada na casa do doutor Mário.

Era tudo de bom.

Educadíssima, finíssima, limpíssima, de uma nobreza a toda prova.

Era negra.

Fazia todos os trabalhos da casa, ganhava super-bem frente a essas porcarias que se paga por aí e por ser quem era tinha várias regalias. Era mais do que da família, o povo todo a amava, tanto o doutor quando dona Selma, os filhos, os vizinhos, os entregadores, todos quanto a conheciam, até as crianças dos vizinhos quando as crianças as traziam, porque ela era puro desvelo.

Contudo, a Beleza não punha mesa.

Não tinha nada que a fizesse colocar os pratos e os alimentos na mesa, dona Selma é que tinha de fazê-lo, junto com as crianças ou os visitantes.

Não tinha como fazê-la pôr mesa.

O doutor Mário argumentava:

- Mas, Beleza, e se você fosse minha patroa, eu não teria de colocar a mesa? Ou se qualquer um fosse seu empregado?

Não adiantava.

Tinha havido (ainda há, em alguma medida) escravidão no Brasil, um dos últimos países a aboli-la (na Arábia Saudita houve servidão até a década dos 1960), parecia que ela estava se sujeitando, sei lá, ela não queria lembrar nem de longe do estado servil, de um ser humano submetendo-se a outro, é vergonhoso mesmo.

Nada a convencia.

Pessoa após pessoa achava que podia vencê-la com tal ou qual argumento, tudo baldado.

Que importava?

Se a Beleza não punha mesa, ela fazia muitas coisas boas, maravilhosas, de longe muito melhores que as de outros.

E todo mundo raciocinava: que importa se a Beleza não põe mesa? Ela tem inúmeras utilidades. Que seria de nós sem a Beleza? A Beleza nos alegra, nos traz felicidade, nos ilumina.

E cada qual procurava fazer o que a Beleza não fazia.
Serra, terça-feira, 10 de abril de 2012.

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