segunda-feira, 30 de outubro de 2017


Quando Dorothy Voltou de Oz

 

                            Quando Dorothy voltou de Oz ela estava metida pra caramba, estava mesmo insuportável. É que Oz não era apenas um lugar, era O Lugar de toda magia e os companheiros dela foram enviados à Terra para buscá-la, para proporcionar sua iniciação, pois ela deveria freqüentar a Universidade de Magia. Quando Dorothy chegou lá era uma garotinha, mas quando saiu era uma imponente senhora que desprezava quase todo o mundo mortal, que outrora amava de paixão. Que soberba! Semestre após semestre de estudos Dorothy só foi ficando pior, cada vez mais intolerável, cada vez mais nojentinha, cada vez mais repelente, cada vez mais abominável.

                            Oz, por si mesma, era apenas uma Universidade de Magia, com obrigações, com créditos, com provas, com todo tipo de aborrecido professor, com trabalhos de graduação, com dissertações, com tudo que os alunos devem fazer para se formar. Dorothy, por sinal, se formou cum magna lauda, com máximo louvor, distinção máxima, notas sempre acima de nove. Foi proposta ao mestrado e foi. Mas entre ir e não ir Dorothy desceu ao mundo cheia de empáfia, agora muito distante de seus companheiros de infância, excessivamente altiva, porque sabia magia, porque sabia realizar atos pela “vontade da mente”, porque podia conjurar os demônios escravos para fazer o trabalho por ela – era uma escravagista, a Dorothy, e não negava sua origem sulista. Dorothy era das elites, como qualquer um, e usava os demônios trabalhadores a seu bel prazer, prazer belo de usar os outros para seu próprio prazer. Pobre Dorothy, entre não ir e ir ela aprendeu uma quantidade de lições bem dolorosas, porém não falaremos delas aqui.

                            Porque a Dorothy, sabe, pensava que o poder era tudo, como aqueles que pensam que o dinheiro é tudo. O dinheiro é muita coisa, menos para aqueles que resistem a ele. Conhecemos um punhado de gente assim, que não dá bola para as verdinhas. Não que não reconheçam o poder do verde, é só que não dão bola para ele. E há quem nem ligue para o poder, como Dorothy aprendeu do modo mais rude e deprimente, pobre Dorothy. Dorothy tirou uma de gostosa para conquistar o cara, mas ele não dava a mínima para ela e Dorothy sofreu muito, Dorothy sofreu por amor. Fazer coisas assim, estalando os dedos, até parece desprezível para certo gênero de gente, e quem diria que Dorothy iria encontrar justamente um assim? Então, quando Dorothy voltou a Oz para freqüentar o mestrado e apresentar sua tese, Dorothy estava muito mudada, pobrezinha da Dorothy, estava dilacerada.

                            Vitória, domingo, 10 de outubro de 2004.

Psico-Sintanálise das Pessoambientes

 

                            Síntese (psico-síntese, síntese ou modelagem de vontades ou objetivos) e análise (psicanálise, devassamento das vontades, manifestas ou não – os psicanalistas se comprazem em extrair segredos das pessoas) das pessoambientes (PESSOAS: indivíduos, famílias, grupos e empresas; AMBIENTES: cidades/municípios, estados, nações e mundo).

VENDO DENTRO DO GRANITO (os psicólogos aspiram radiografar as almas)


DEVASSANDO AS ALMAS

·       RADIOGRAFIA DAS PESSOAS:

1.       Tomografia computadorizada (Ah, se pudesse avançar tanto assim!) - dos espíritos dos indivíduos;

2.       TC do íntimo das famílias (as pessoas vêem o PSCÓLOGO POPULAR, as novelas, para saber das misérias alheias);

3.      TC das intimidades dos grupos (os populares e as elites auto-referenciais lêem a revista Caras para ver o interior das casas e apartamentos dos famosos e ricos que se prestam a mostrar);

4.      TC das familiaridades das empresas (estas raramente querem ter seus motivos devassados e não mostram nada além de superfícies luzidas);

·       RADIOGRAFIA DOS AMBIENTES:

1.       TC do coração das cidades e dos municípios;

2.       TC das essências dos estados;

3.      TC das particularidades das nações;

4.      TC distinções do mundo.

SE PUDÉSSEMOS VER O ‘CORAÇÃO’ DAS P/A


O ‘CORAÇÃO’ PSICOLÓGICO DAS P/A

·       Coração das figuras (o que está por debaixo da pele, da superfície de cada indivíduo?) – psicanálise do ser;

·       Coração das vontades ou desejos ou objetivos ou metas ou psico-sínteses;

·       O coração das produções ou economias (quais os significados das produções das famílias enquanto trânsito: de onde vem, o que estão sendo agoraqui, para o quê se destinam?);

·       O coração das organizações ou sociologias (como os grupos se preparam para administrar os objetos?);

·       O coração dos espaçotempos ou das geo-histórias das empresas (O que elas ocultam e o que acham conveniente mostrar? Qual é o jogo de cessão e busca delas?).

DEVASSANDO AS INTIMIDADES ALHEIAS (quase todo mundo quer isso, mas tem vergonha de perguntar)


AS PERGUNTAS QUE PODERÍAMOS FAZER

1.       Que metas tem tais ou quais figuras (por exemplo, os artistas e os diretores de empresas)?

2.       Como as P/A estão se preparando para os próximos GANHOS DE INFO-CONTROLE?

3.      Que tipos de auxílios têm em termos de instrumentos, programas, máquinas, aparelhos, pessoambientes?

4.      Para quais espaços se moverão em que tempos?

5.      Como se apresentarão em termos de ilusão de ótica de corpos e mentes?

Naturalmente as pessoas muito agressivas (quase todas, até as disfarçadas) fazem-se esses tipos de perguntas, mesmo que não as reconheçam objetivamente como tais. Era esse tipo de coisa muito mais interessante que os psicólogos deveriam estar mostrando.

Vitória, agosto de 2005.

Proibida a Entrada de Gente Estanha

 

                            Resendinho foi mandado pela sua companhia multinacional para “o mundo”, os EUA, aonde iria se tornar civilizado e passar de presa a predador. Ninguém falava esse tipo de coisa, mas todo mundo entendia que era uma oportunidade única, a de ser agregado à verdadeira civilização, sair do subúrbio, migrar do quintal, dar uma banana. Resendinho, com sua falsa consciência revolucionária petista, era um adesista da cultura ou nação americana, um durex mesmo.

                            O nome dele vinha de existir um sênior, um Resende pai. O nome dos dois era Filogomenes Resende, só que ele era o Júnior, o que veio depois e teve de herdar o nome horroroso. Para não ser chamado de Filó, porque ninguém iria falar esse nome comprido, Resendinho se apresentava como Resende Jr., que ficou sendo Resendinho, o pequeno Resende, por vezes chamado Resed, “e aí, Resed? ” Como ele trabalhava numa multinacional americana onde se falava freqüentemente o inglês nas esferas mais altas, passaram a dizer à boca pequena RESET (restaurar ou reinicializar no inglês da informática). Não teve jeito, pulou da frigideira, caiu no fogo. Então ele exigiu ser chamado de Resendinho, e era essa a origem.

                            Lá foi Resendinho a um daqueles bairros chiques das periferias das cidades americanas, com casas sem cerca com que todos sonhamos, para ficar três anos em treinamento e voltar transformado em gente.

                            Instalada a família a vida era só felicidade nos primeiros seis meses. O que era a civilização, não é mesmo? Terrorismo? Isso era mais é propaganda de televisão, porque na prática mesmo eles se sentiam no paraíso. As crianças iam para a escola, voltavam e iam brincar. O ônibus pegava e deixava na porta, elas iam brincar nos acres e acres da comunidade. Lá dizem acre, que são quatro mil metros quadrados, e não o nosso hectare, dez mil metros quadrados. Eram acres e acres de florestas e as crianças eram instruídas a não ultrapassar os limites.

                            Resendinho vivia ocupado, Marcela vivia nos shoppings centers, que eram de arrasar, davam de dez nos daqui. Celinha vivia ligando para as amigas e a mãe e irmãs para dizer que vivia nos shoppings centers, que eram de arrasar, davam de dez nos daqui. Resendinho, coitado, trabalhava até demais, querendo não apenas cumprir as metas dos colegas americanos, mas ultrapassá-las, com o objetivo evidente de obter as graças e os favores dos patrões. Ganhava em dólares, seu salário saltou de 100 mil reais para 80 mil DÓLARES, como Resendinho fazia questão de dizer modestamente, é claro, aos amigos, sempre que podia.

                            Um dia Resendinho quebrou a perna e por lá eles são muito rigorosos tanto com o trabalho quanto com as folgas obrigatórias, instruídas pelos médicos. Resendinho foi obrigado a contragosto a ficar em casa e isso significava ter muito tempo livre, o que o deixava angustiado. Tome TV paga, filmes de locadora, pizzas, Resendinho engordava. Celinha não parava em casa, era só comprando, comprando, comprando para dar coisas às amigas e parentas quanto voltasse. Celinha vivia nos shoppings centers, que eram de arrasar, davam de dez nos daqui. Resendinho engordava.

                            Aborrecido de só engordar, Resendinho começou a dar voltas nas redondezas, a ver como tudo era tão perfeito. Os gramados, viçosos a não mais poder, brilhantes, pareciam de plástico. As flores, poucas, sempre luminosas em suas cores estudadas. As árvores pareciam fabricadas, de tão perfeitas e vigorosas. Discretamente Resendinho tirou uma lasca com um canivete. Bateu fotos, procurou vizinhos para conversar e não encontrou, porque os maridos estavam fora trabalhando, os filhos estudando de manhã e de tarde em grupos ou em qualquer atividade, e as mulheres fazendo compras nos shoppings centers, que eram de arrasar, davam de dez nos daqui.

                            Resendinho estava sozinho no mundo perfeito. Empregadas não havia, americanos não têm disso, custa muito caro, não dá para pagar. Se tivesse alguma, Resendinho pensou com sua consciência brasileira, até talvez desse para faturar, desde que não fosse ser denunciado por assédio. Mas não havia uma sequer. Só os ricos tinham empregadas. Só os atores e atrizes de cinema. Droga, Resendinho ficou mordido de raiva. Droga. Ele estava infeliz de não ter ninguém com que conversar.

                            Então, decidiu ir mais longe.

                            Resendinho era aventureiro brasileiro, gostava de se aventurar; e foi, foi longe, de fato foi. Andou bastante e chegou até as beiradas, os limites do terreno coletivo. Fora das estradas que entravam e saíam, todas asfaltadas, todas com ciclovias à esquerda e à direita, todas perfeitíssimas em sua infalibilidade, Resendinho encontrou uma placa: PROIBIDA A ENTRADA DE GENTE ESTRANHA. Em inglês, é claro, que a essa altura Resendinho falava e escrevia com mais fluência e correção que os nativos. Ah! - são cuidados para evitar os penetras, ele pensou. E voltou para casa.

                            E assim, dia após dia, Resendinho foi se aventurando e encontrando placas semelhantes em todo o circuito, sempre os mesmos dizeres, sempre voltadas para fora. Resendinho foi ficando revoltado, de justamente os americanos, que fazem propaganda de sua democracia, estarem rodeados de tantas proibições. Resendinho se sentiu enjaulado, guiado pelo caos brasileiro a que estava acostumado. Isso se tanta opressiva vigilância pesando sobre os cidadãos o incomodava. Resendinho arrancou uma placa, depois duas, depois cinco, depois todas. Ninguém sabia de nada, porque todos estavam fora, as casas ficavam desertas de dia, de noite todo mundo assistia TV ou dormia. De pirraça queimou tudo.

                            Voltou a trabalhar.

                            Um dia a polícia esteve no bairro.

                            Uma pessoa estranha tinha sido vista, depois várias, a polícia voltava sempre. Eram pessoas MUITO estranhas, esquisitíssimas. Não eram deste mundo. As coisas mais extraordinárias aconteceram quando os alienígenas começaram a invadir o antigo bairro paradisíaco, agora infernal. Descobriram as placas queimadas, descobriam as digitais, descobriram o DNA, descobriram Resendinho. O caso é que as placas não eram apenas avisos, faziam parte de um sistema de proteção, muito caro e muito efetivo, parte da luta dos Estados Unidos contra os aliens, que são os estrangeiros, os não-admitidos, os estranhos. As placas formavam um circuito por debaixo da terra.

                            Para poupá-lo dos detalhes direi apenas que a empresa deportou Resendinho e o demitiu; a mulher pulou fora do barco que balançava e levou os filhos, o carro, a casa, a mobília e metade da poupança. Posto para fora, Resendinho, engenheiro que era, não tendo carta de recomendação - porque passou como indisciplinado, rebelde despedido por multinacional – foi viver de bicos e vive fazendo bico até hoje. As pessoas zombam dele, cantando a música “é proibido proibir”, ou fazem o gesto de estar arrancando placa. Celinha não deu nem um dos presentes que trouxe, pelo contrário, vendeu, porque não tinha mais o salário de 80 mil DÓLARES de Resendinho para sustentá-la.

                            Só mais tarde Resendinho compreendeu que a perfeição é um preço a pagar, em termos de comportamentos e aceitações. Resendinho, tendo perdido a chance de se tornar outro, agora está mais revoltado e revolucionário do que nunca. Esqueceu de dizer que pretendia largar tudo para trás e viver de saudades.

                            Resendinho está devendo no meu armazém há mais de dois anos e se eu pego o safado vou esfolá-lo direitinho, que a conta é alta. Se você o vir por aí, me conta que eu te pago duas grades, bico seco.

                            Vitória, quarta-feira, 29 de setembro de 2004.

Parentesco Municipal-Urbano

 

                            No Livro 132 no artigo A Célula Urbana-Rural pedi que houvesse uma investigação das cidades (são 200 ou 300 mil delas no mundo) com seus bairros, e dos municípios com seus distritos, como se células humanas fossem, constituindo um corpo psicológico.

                            Agoraqui seria diferente.

UM PUNHADO DE CASSIFIC/AÇÕES (ato permanente de classi-ficar, colocar em classes estatísticas e, portanto, tratá-las em grupos preferenciais)

·       Quanto à altura (muito altas, altas, médias, baixas e muito baixas – Potosí é considerada a cidade situada a maior altura do mundo com 6.088 m de altitude; alguma no Mar Morto será a mais baixa, talvez; colocar todas as cidades em curvas do sino ou curvas normais);


·       Quanto ao número de habitantes (16 vezes a média, 8 vezes, 4, 2, 1, ½, ¼, 1/8, 1/16);

·       Quanto à área ocupada pela cidade (gigante, grande, média, pequena e micro – a Grande São Paulo tem área de perto de 10 mil km2, tanto quanto a de alguns países, por exemplo, o Líbano);

·       Quanto à quantidade de municípios conubardos;

·       Próximas ou distantes do mar;

·       Com grandes áreas municipais (alguns municípios do Pará e do Amazonas são maiores que países e maiores que alguns estados brasileiros, talvez);

·       Quanto à produção ou economia;

·       Quanto ao clima;

·       Quanto à criminalidade (os cinco municípios da Grande Vitória estão entre os 20 mais violentos do mundo);

·       Cidades históricas ou não;

·       Sedes de estados, nações ou mundo (Nova Iorque é considerada a capital do mundo, o que é um exagero, claro);

·       Por ser de primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto mundo;

·       Por sediar determinadas indústrias importantes;

·       Vários outros motivos.

UM QUADRO DAS CIDADES

100 – 80 (gigantes)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
80 – 60 (grandes)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
60 – 40 (médias)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
40 – 20 (pequenas)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
20 – 00 (micro)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Agrupá-las assim permitirá constituir fóruns mundiais, aproximando seus problemas e suas soluções, de modo que trabalhem em conjunto e não dupliquem esforços (se todas as células do corpo fossem estômago quem seria cérebro?).

Inclusive o Google Earth e outros instrumentos como ele poderiam ir colocando essas separações, digamos, mostrando as cidades que estão acima de 5.000 m ou ao nível do mar (mesmo que na hinterland, no interior dos continentes) e assim por diante. Seria muito mais interessante.

Vitória, agosto de 2005.