A Traição como Vacina
Alguns índices humanos
são mais terríveis que outros, apenas ruins: são eles a traição, a fofoca, a maledicência,
a mendicância, a deduragem e coisas assim. Considero-os até pior que ratos e
baratas.
Antigamente ficava
furioso com qualquer coisa assim, mas depois aprendi que, por exemplo, um ato
de traição pode até ser vantajoso, desde que aprendamos com ele; é preciso
afastar o traidor, claro. Em todo caso uma traição menor nos educa, porque pode
haver outras maiores ainda na frente. Não são os desconhecidos que nos traem,
porque nem trato com eles temos; nem são os colegas, porque pouco partilhamos
com eles – é sempre gente na qual confiamos, como já disse. Se nos traem é
porque não confiam tanto em nós quanto confiamos neles; sendo assim é melhor
que vão mesmo embora.
Se a traição é
pequena ela age como uma vacina em relação a outras maiores ainda que poderiam
nos afetar muito mais. Se é grande, do núcleo interno da existência, de fato
pode abalar tanto que mata de desgosto. Estou falando das pequenas. Essas são
realmente vacinas (traição = VACINA = LINHA = VÍRUS = DOENÇA, etc., na Rede
Cognata). Quando ocorrem é sempre uma decepção, mas olhando depois custa até
barato, porque essa pessoa poderia chegar ainda mais perto e levar ainda mais
de nós.
As grandes traições,
essas não têm cura.
Mas pequenas =
INJEÇÕES = PROTEÇÕES = PROJEÇÕES = ANTENAS, de modo que agem para prevenir
outras; ninguém pode contar com, nem esperar uma grande traição, que é um
veneno terrível e incurável. Contudo, as pequenas nos ajudam e como disse
Nietzsche o que não mata, nos fortalece. As grandes traições nos matam, então
não nos fortalecem; entretanto, as pequenas, que não nos matam, só nos
enrijecem e constituem, por assim dizer, um prêmio. Não devemos desejá-las, mas
se acontecerem devemos delas tirar essas lições positivas.
Vitória,
sexta-feira, 17 de junho de 2005.
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