domingo, 29 de outubro de 2017


Gozação

 

                            Diamantino, que o pessoal chamava de Brilhante (porque ele ficava passando brilhantina e por causa do nome), Roberval, o Val, e o Antenor Anta eram mais ou menos da mesma idade, 38, 35 e 34 anos e gostavam de fazer brincadeiras com os outros. Todo tipo de zombaria, desde as mais mansas até as pesadonas. Por mais de uma vez quase saiu porrada, quando alguém estranhava. Mas eles eram parrudos, fortes, de compleição avantajada mesmo e ninguém se engraçava.

                            Até que um dia, de conversa em conversa chegaram à conclusão de que deviam aproveitar essa onda de “abdução”, esse negócio de ser levado por alienígenas. Que gente palerma, diziam, que asneira, vou te contar! Tem doido pra tudo. Vamos dar um jeito nessa cambada, vamos nos divertir à custa dos patetas.

                            E arranjaram tudo com muito cuidado, porque tinham formação, dois universitários e um não, mas técnico em eletricidade. Compraram o material e levaram para as matas das redondezas, com grande dificuldade levantando os holofotes até o alto das árvores de eucalipto, direcionando-os para baixo em vários ângulos, com planejamento detido, de modo a parecer que vinha mesmo do céu, de uma nave alien xereta vinda de longe. Se esses bobocas soubessem como é difícil vazar o espaço interestelar não falariam mais de xenovisitantes, visitantes de outros mundos. As distâncias são impossíveis de vazar, suas bestas! Seqüenciaram de modo tal que fosse mesmo interpretado, ainda que por inteligência mediana, como nave espacial seguindo pelo espaço, um holofote sendo aceso após o outro por controle remoto.

                            Quando a pessoa ficava apavorada e saía correndo por vezes tropeçava e desmaiava, eles já estavam correndo por perto e embebiam os lenços em clorofórmio e entorpeciam a vítima, criança ou adulto. Mas tinham a decência de só fazer com crianças de treze, quatorze anos para cima, de modo que elas não sofressem demasiado susto.

                            Como ganhavam relativamente bem para os padrões brasileiros, com o dinheiro montaram num galpão escondido uma imitação de nave, segundo a imagem quê as pessoas esperavam em razão de suas idéias passadas pelo cinema, a FC e a TV, os livros, as revistas de UFO e coisas assim. Estudaram tudo com detalhes por um tempo e fizeram com verdadeiro aprumo e na medida em que foram se acumulando os testemunhos dos idiotas a imprensa veio para noticiar. Eles iam para o mato pescar e riam de gargalhar. Qua, qua, qua, que bobos, que mongolóides. Abdução, qual o quê.

                            Ficaram nisso três anos, tudo se tornou um fenômeno estadual e até nacional, teve até uma revista americana que veio investigar e atestou que era tudo verdade mesmo. Os “abduzidos” foram chamados a dar entrevistas e quanto mais a coisa prosperava mais os três amigos se divertiam. A vida tinha ficado boa demais. Teve um dia que um engenheiro florestal da companhia exploradora derrubou uma árvore com o holofote cuidadosamente disfarçado em cima, mas felizmente eles ficaram sabendo a tempo e convidaram o dito cujo para participar da trama, com rápida adesão. Agora eram quatro.

                            E lá ia a coisa assim, plenamente satisfatória, já caindo no cansaço quando de fato eles foram abduzidos, pois a coisa é mais séria do que parece, já que abduzido é na Rede Cognata COMIDO, CONSUMIDO, COOPTADO, ALIMENTO, CAPTURADO, GOZADO no bom e no mal sentido. Foi numa tarde de domingo, os quatro tinha ido pescar e foram aprisionados. Ficaram sumidos durante dez meses, o povo pôs-se a procurar e quando as buscas tinham cessado eles voltaram. Nisso, sem pagamento o pessoal que trabalhava para eles parou de vigiar a mata e o artifício foi descoberto e desmascarado. Foi um vexame danado.

                            Quando eles voltaram e contaram ter sido abduzidos o povo não acreditou, achou que os panacas nem sabiam reconhecer que a brincadeira estúpida tinha ido longe demais, até por ter sido desmoralizada. Zombaram deles e por mais detalhes que eles dessem, ninguém acreditava. De gozadores passaram a gozados. Eles contavam que tinham ido a tal ou qual lugar, que os aliens tinham realizado esta ou aquela operação neles, ninguém acreditava, mas todos achavam muito criativo terem combinado ficar fora durante dez meses, isso é que é planejamento. Filhos da puta vão planejar assim lá longe.

                            Viraram motivo de chacota.

                            Quando escreveram um livro contando suas aventuras poucos compraram, foi pura perda de dinheiro.

                            Vitória, sábado, 12 de março de 2005.

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