sábado, 28 de outubro de 2017


A Candidatura

 

                            Padre Zezinho lançou a candidatura dele. De início o pessoal riu: <Padre Zezinho tá ficando doido, zureta de tudo>. À boca pequena, claro, porque ninguém teria tanta audácia de falar diretamente, até porque padre Zezinho era respeitadíssimo na comunidade. Padre Zezinho não arredava pé: queria porque queria se candidatar. <Por quê não>, perguntava, fazendo cara de inocente.

                            O bispo o chamou lá.

                            <Ô, José, que estória é essa? Eu te conheço há trinta e tantos anos e agora você vem com essa? Que é que deu em você?>

                            Padre Zezinho explicou. E a democracia?

                            O bispo achou que com o tempo padre Zezinho entraria nos eixos e desistiria da idéia, e deixou por isso mesmo. Enganou-se, porque padre Zezinho estava cada vez mais firme. De brincadeira em brincadeira a idéia foi crescendo, a paróquia dele aderiu, a princípio meio ressabiada, mas depois com cada vez mais audácia e o movimento foi passando de paróquia a paróquia, até que a cidade (não diremos o nome, mas todo mundo sabe qual é) quase toda aderiu. <Zezinho, Zezinho, Zezinho> Ave, credo, que gente!

                            O bispo veio visitar.

                            Padre Zezinho explicou de novo. E a democracia?

                            <Que democracia? Endoidou? Na Igreja não tem isso de democracia, não. Não é sistema presidencial nem republicano. O Papa é o Vigário de Cristo, o vice-rei do Trono de Cristo, o vizir, o primeiro-ministro do Rei dos Reis. Na ausência de Cristo, para todos os efeitos ele é rei, não tem isso de democracia, não senhor, a história é outra>.

                            Padre Zezinho já tinha passado dos 60 e fincava pé.

                            <Mas não teve padre que foi eleito? >

                            <É, teve, mas foi uma vez ou outra, muito raramente, e a forma foi diferente, você não aprendeu nada em Roma? >

                            <Sim, eu sei, mas acho que já está na hora de mudar>.

                            E continuou firme.

                            O bispo ameaçou excomungar os que o acompanhavam nessa idéia maluca e o movimento foi esvaziando. Os aderentes festivos foram se afastando do padre Zezinho, que agora estava cada vez mais sozinho, rezando missas para poucos. Os políticos que tinham ido prestar solidariedade no momento em que a imprensa do mundo inteiro tinha se interessado também foram embora. Padre Zezinho agora estava na oposição, e na oposição com ele estavam poucos e esses poucos foram ficando cada vez em menor número, número que foi diminuindo até se poder contar nos dedos de uma só mão.

                            Padre Zezinho não desistia.

                            Ô, que cara mais teimoso, gente!

                            Padre Zezinho não desistia.

                            O cardeal do Rio de Janeiro virou uma arara. A imprensa continuava a tocar fogo, principalmente a ligada aos evangélicos, que desejavam destruir a Igreja Católica. O pessoal do deixa-disso aproveitou para sensibilizar padre Zezinho.

                            <Padre, o senhor está provocando cisma na Igreja>.

                            Isso padre Zezinho não queria, porque era totalmente fiel à Santa Madre Igreja, que amava de coração desde a infância.

                            O bispo voltou com um ultimato.

                            <Ou você pára ou será destituído de suas funções. É isso que você quer?>

                            Não era isso que padre Zezinho queria.

                            Padre Zezinho queria que sua candidatura a Papa fosse levada a sério e que houvesse uma votação universal dos 1,3 bilhão de católicos, vê se pode! Finalmente padre Zezinho desistiu, não sem antes causar grande mal, porque por toda parte as pessoas começaram a se perguntar se num mundo democrático não seria mesmo conveniente eleger o Papa por votação direta. Complicado, caro, mas útil, afirmaram os teóricos da sedição, da sublevação, da revolta. Os que se interessavam pelo rompimento do poder cristão jogaram gasolina na fogueira e por toda parte lavrou incêndio de grandes proporções.

                            Padre Zezinho acreditava na democracia.

                            Ah, se a democracia fosse aquilo que padre Zezinho acreditava! Mas não era, nem de longe.

                            Vitória, sábado, 02 de outubro de 2004.

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