O Rapaz da Manutenção
Um dia eu estava
passando na rua e tinha um bichinho estranho na calçada. Abaixei e peguei nele,
porque ninguém estava reparando mesmo. Peguei pra mim. Perguntei em volta, mas
o povo fazia que nem via, a indiferença das cidades é terrível, muito
deprimente. Não é só em Nova Iorque que ninguém faz nada, em toda parte é a
mesma coisa, menos nas cidades muito pequenas, em que todos perguntam. Aí
ficamos incomodados exatamente por isso. A humanidade nunca está satisfeita.
Era uma criaturinha
estranha mesmo, coisa de outro mundo e fiquei com ela dois meses, até que
apareceu um povo dizendo que era deles e até apresentaram documentos. Eu dei,
fazer o quê, já tinha me acostumado. Bicho é uma bosta, mesmo, a gente se
apega, pega amor pela coisa e depois rebenta algo dentro da gente. Pouco tempo
e já é assim. Nunca tinha visto animal feito o Geraldo (era um sujeito
esquisitão que era meu amigo, coloquei o nome no animal, ele fez desfeita; ah,
bom, ele não ficou sabendo mesmo!). Era mansinho comigo, mas creio que fazia
medo nos cachorros e gatos da redondeza porque não sobrou um, fugiram todos.
Sei lá, sumiram, acho que tinham medo do bichinho e evitavam se aproximar.
Depois, um sábado eu
tava indo pro futebol e vi na parede de um prédio uma coisa pontuda aparecendo,
fiquei um tempão olhando, o pessoal passava e me olhava de banda. Que que é,
endoidaram? Fiquei mirando e admirando, olhei com atenção, peguei, passei a
mão, que troço esquisito saindo assim da parede – quem foi o burro que fez essa
burrice? Quem vai construir uma parede com uma coisa doida dessa enfiada?
Fiquei cismado duas semanas, mas no sábado seguinte não pude ir pra partida,
dei uma topada, tive até de dar ponto, acredita? No outro sábado não tava mais
lá. Tiraram, é lógico, e fizeram o serviço bem feito, nem marca ficou. E olha
que eu sou pedreiro, é difícil rebocar sem deixar marca, mas tava tudo
certinho, olhei de perto. Que trabalho bem feito, ô xente!
Duma outra vez foi
um globo parado no ar dentro de um bar. Chamei um companheiro. Que é isso?
<Isso o quê? > Isso. <O quê, porra? > Isso aqui, caramba, esse
troço, esse negócio aqui, merda. <Cê tá doido? > Vai dizer que você não
tá vendo? <Não tô vendo porque não tem nada aí> Outros se juntaram no
bate-boca, foi uma zona do cacete. Aglomerou, chamaram a polícia, fui parar no
hospital, me deram remédio, faltei três dias no trabalho, também dei porrada
pra caramba, me internaram, o patrão apareceu, foi assustador. Disseram que eu
tinha enlouquecido. Eles que são cegos de não ver uma bolona assim bem
paradinha no ar. Se tava ali bem nas fuças de todo mundo, como é que pode?
Daí, vez em quando
acontecia uma coisa assim e eu comecei a pensar mesmo que tava zureta, doidinho
de pedra. Fiquei com medo, pode acreditar. Começou a me dar uns calafrios,
senti as pernas bambas, ai meu Deus, tô ficando doido, que será de mim, vou
sair por aí falando doideira.
Até um dia que
apareceram uns caras lá no meu barraco, pediram para entrar e começaram a
conversar e aí eu fui ver que não tava doido não, é problema de manutenção do
Programão. É que umas coisas falham. Não é problema de Deus, não senhor, o
Plano é perfeito mesmo, são os materiais que não são muito confiáveis,
exatamente por serem materiais e caóticos – em algum momento dá pau, entra em
colapso. Aí é que nós entramos em ação, para corrigir esta ou aquela desconformidade.
A maioria não vê nada, mas de vez em quando surge um ou outro que vê algo,
escuta algo, cheira algo, toca algo, esse tipo de coisa. Se nós conseguimos
corrigir a tempo a vida prossegue, mas há uns espíritos muito agudos e
sensíveis que devem ser chamados, como você. Se você topar irá para treinamento
num certo lugar e será um dos rapazes da manutenção, as coisas com defeito
devem ser substituídas, está na garantia. Se não, infelizmente, será preciso
dar outro jeito.
Vitória, sábado, 12
de março de 2005.
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