quinta-feira, 27 de julho de 2017


Tudo que é Federal é Melhor

 

                            Quando eu era criança, Federal era uma longínqua figura e representava o Governo Federal, poder inconcebível de que as pessoas falavam com reverência. Não é como nos Estados Unidos, onde as pessoas dizem aos agentes (pelo menos diziam, antes dos decretos de Bush Júnior posteriores aos 11 de setembro de 2001): “pegue seu caderninho federal e enfie”. De jeito nenhum, no Brasil, não, definitivamente não, nunca, nunquinha. As pessoas baixavam a cabeça e calavam.

                            Os federais ganhavam bem, o salário nunca atrasava, eles tinham uma estabilidade que causava inveja a quem era capaz disso. Jamais passavam por dificuldades monetárias, as famílias iam bem, eles andavam num tapete de diamantes, viviam no sétimo céu, nada os perturbava – os intocáveis. Um respeito a que nada se igualava. Os super-heróis iam onde os demais mortais nem podiam chegar perto. Conversavam certamente coisas além de nossa compreensão.

                            Os federais eram um caso à parte.

                            Cá embaixo estavam os agentes do governo estadual do Espírito Santo, o único que conhecíamos, e estes eram bem relaxados, esmolambados, vis, ordinários, ladrões. Lá no alto passavam garbosamente aqueles outros, do incorruptível padrão da existência.

                            De onde vinha isso?

                            Naquele tempo eu não tinha informações para interpretar, de forma que fiquei na primeira impressão. Depois, vi de onde vinha tudo: vinha do dinheiro do povo, via tributos, que o GF (governo federal) gastava com prodigalidade, sem qualquer usura do que não era seu. Gastar o que é dos outros é fácil, pois o GF (Executivo federal, Legislativo federal, Judiciário federal) carreia de todos os estados para injetar no Distrito Federal, que têm, em virtude disso, a maior das rendas percapitas brasileiras. Gasta sutuariamente porque não faz esforço para colher, a não ser vigiar os tributos de sua competência. Superextrai dos estados e pede empréstimos no exterior (que todos temos de pagar), e porisso pode ser o “gastosão”, o que gasta muito e passa por gostosão. Desperdiça porque não é seu. Não conta de centavo em centavo, como o povo, conta de milhão em milhão, como qualquer governo imperial desrespeitoso da geo-história do mundo. Mal sabia eu, quando tinha dez anos, que aos 50 veria nos excessos de uns a falta dos outros – é porque sobra aos governos (nacional, estaduais, municipais/urbanos) que falta aos seus povos.

                            Vitória, quinta-feira, 23 de setembro de 2004.

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