Compromisso
O que leva quem escreve a escrever?
Pode ser livro, carta à esposa, documento, o
que for.
Já indaguei isso antes e dei parte da
resposta.
Entendi depois de anos me perguntando que é o
compromisso.
O amor é o compromisso mais forte, mais
intenso e é a cola ou cimento do universo, aquilo que em termos físico-químicos
leva à aproximação (a gravidade e as forças todas). É aquilo de que São Paulo
falava.
Há a amizade.
Há a confiança, de que a Clarice Lispector
disse com outras palavras: “procurei a vida inteira o tesouro, achei uma caixa,
dentro dela uma palavra: confiança”.
Se a pessoa estuda dos sete aos 25, é o
compromisso que a empurra.
Que é que nos faz escrever?
Não pode ser a fama pós-morte porque a pessoa
não estará aqui para gozá-la, se isso é importante para ela, nem sequer sabe se
ela sobrevirá.
O reconhecimento em vida é mais importante
para alguns.
Escrever traz muitos aborrecimentos, os das
contestações, até ataques ferozes como nas polêmicas ou aqueles do tipo que
Wegener sofreu e que o deixaram amargurado. Ou tantos ataques que os cientistas
despudoradamente fazem ou, antes deles, desde os técnicos aos artistas,
percorrendo toda a escala do Conhecimento (Matemática, Ciência/Técnica,
Filosofia/Ideologia, Teologia/Religião, Magia/Arte). Infinitos ataques,
inclusive ad hominem, ao homem e não aos argumentos.
Qualquer um pode passar por esses dissabores.
Seria interessante fazer livro contando os
ataques sofridos pelos que propuseram teorias e abordagens diferentes das
padronizadas, daquelas dos paradigmas.
No meu caso, desde 1992, completando o modelo
com suas 50 mil páginas 20 anos em julho próximo. São [20 anos x (52 sábados,
52 domingos, 11 feriados) 115 dias/ano] 2.300 dias em que as pessoas foram à
praia, passearam, foram a bares ou a cinemas, estiveram com as famílias,
viajaram ou simplesmente folgaram; escrevi, com o objetivo de tentar entender e
ajudar – para depois ser injuriado, claro. Só folguei realmente os 15 dias em
que estive operado no hospital. No total trabalhei (365,25 x 20) cerca de 7,3
mil dias.
Fama não é, aborrece-me.
Riqueza não é, sou anarco-comunista.
Poder não, sequer estive perto dele.
E assim por diante.
Só pode ser uma coisa, compromisso.
Ora, o que é esse compromisso?
Não pode ser com o mundo, pois o mundo está
longe da pessoa. Primariamente está longe aquelas oito horas do sono. Durante o
trabalho só estamos perto dos colegas e clientes. Em casa, da família. Na rua,
das pessoas passantes. Do mundo mesmo tocamos pouco, infinitésimo de gente e
coisas. A ideia de mundo, de humanidade, na realidade não passa de ideia mesmo.
O compromisso é consigo mesmo, com a ideia de
certo e de errado, com a ideia de “fazer o que é certo”, o que é correto
segundo as concepções internas.
Enfim, o compromisso é feito consigo, com a
ideia que fazemos de nós. O dinheiro, o salário é apenas o pagamento do
compromisso, visando a sobrevivência. A riqueza de objetos e possibilidades faz
alguns se comprometerem, mas é só isso. Fama é um tipo de compromisso
desvairado, poder é outro, riqueza um terceiro – é que alguns são fracos em
compromisso e só são excitados assim.
No fundo de tudo está o compromisso.
É ISSO QUE NÃO FOI ESTUDADO pelos psicólogos
e muito menos respondido. Gastaram tantos milhares de páginas e de horas e não
estudaram o mais importante.
A CURVA DO SINO DO COMPROMISSO
|
DESAMOR
|
|
AMOR
|
Desconfiança extrema
|
Confiança extrema
|
DESCONFIANÇA
EXTREMA
(afirmação do self)
· Glória
· Riqueza
· Poder
· Afirmação da beleza
· Super-arrumação
· Fama, etc.
O amor, a confiança extrema, a extrema
consideração e compromisso, NÃO É PRIMARIAMENTE pelo mundo ou por outro, é EM
SI, porque como disse Clarice Lispector com outras palavras “a falta de amor
para consigo é o começo do ódio para com tudo”. Então, a pessoa que não ama a
si não ama ao mundo e ao outro – o amor precisa ser PRIMEIRO EM SI para depois
dirigir-se ao mundo e ao outro. É porque existe amor em si que a pessoa
transborda e ama o mundo e ao outro.
A pessoa que ama o mundo e ao outro é paga
com esse amor.
Não poderia haver outra classe de pagamento.
DE CIMA PARA BAIXO (os mais bem pagos)
7. iluminados
6. santos e sábios
5. estadistas
4. pesquisadores
3. profissionais
2. lideranças
1. povo
Vê-se que o povo é o que menos ama, o que
menos se dá, o que exige só para si – é daí que saem aqueles “self made man”, os
homens que se fazem por si mesmo, POR SI, para si, que não respeitam ninguém,
que desejam apenas para si. No máximo para suas famílias, só conhecem esse tipo
de amor.
O que isso tem a ver com a compreensão do
universo? Com discutir a criação e A Criação?
Tudo.
Pois esses que amam são a locomotiva ou, como
disse Cristo, o sal da Terra, os que conduzem os outros, os vagões, aqueles que
estão vagos de amor e precisam ser cheios.
Os que tem compromisso comprometem-se pelos
outros, dedicando suas vidas a isso. Não é preciso, nem é possível pagá-los,
eles já se pagam com aquele amor transbordante.
É sob essa ótica que as biografias devem ser
RE-FEITAS.
Serra, domingo, 29 de abril
de 2012.