sexta-feira, 20 de outubro de 2017


O Terreiro de Cada Mulher


 

                            Começou a transparecer no Modelo da Caverna para a Expansão dos Sapiens (MCES) um cenário completamente distinto da bagunça que os tecnocientistas vem nos apresentando, como se na base do mundo de hoje pudesse ter havido uma gente tacanha e estúpida que nem reconheceríamos como antepassados dos macacos, quanto mais dos homens sábios! Pelo contrário, os raciocínios obrigatórios do MCES permitiram ver uma coletividade muito bem organizada, estratificada até os detalhes, com tarefas atribuídas, tudo funcionando com muito cuidado e determinação, que herdamos deles.

                            Da parte das mulheres que ficavam nas cavernas com 80 a 90 % de todos a organização era ainda mais tremenda, sem qualquer chance de falha, porque a sobrevivência da nova espécie estava sempre em perigo diante dos muitos inimigos (grandes predadores, cobras, insetos, venenos das frutas desconhecidas, acidentes, partos das muitas gravidezes, avalanches, vulcões, neve, etc.). Como já disse, havia a vida sempre coletiva dos primórdios e também um terreiro grande diante da caverna que não era somente um local varrido, era a alma da tribo, o que foi repetido ao infinito e está representado nas praças municipais/urbanas de nossos dias. Minha mãe por décadas limpou de manhã e de tarde o quintal – era quando ela pensava nos muitos problemas, afastada de todos pela tarefa que ninguém queria. O terreiro tinha muitas dimensões, desde centro de roteamento para todas as almas até índice de segurança para as crianças, que ali podiam ser largadas sem vigilância quanto a cobras, insetos e outros perigos. Nenhuma das mulheres saberia coletiva e individualmente viver sem o terreiro. Não é coisa de homens que iam aos ambientes selvagens - onde raramente voltavam - que não faria sentido capinar e limpar, dado serem terrenos distantes e estranhos.

                            O terreiro da casa-caverna foi formado e formou, tanto foi construído quando construiu. Que os arquiengenheiros não os coloquem em suas construções elegantes é uma perda e um desperdício de alma, além de induzir instabilidade. Devem voltar a colocar, mesmo nos condomínios alinhados de hoje, nos prédios de dezenas de andares. Em toda parte deve haver um terreiro, nem que seja simbólico, virtual; e vassouras disponíveis, porque sem essa atividade arcana de varrer as mulheres vão adoecer.

                            Vitória, segunda-feira, 01 de agosto de 2005.

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