sexta-feira, 2 de setembro de 2016


Música Nativa

 

O Samba, já avô encanecido, deu uma festa e chamou os jornalistas.

Lá veio ele chegando, entrado nos anos, cabelos brancos, porém ainda inteirão, prometendo atravessar décadas, se mais nada o abalasse. À boca pequena se dizia que alguns filhos o estavam aborrecendo.

JORNALISTA – lá vem o Samba, é natural do Rio de Janeiro.

SAMBA (todo feliz, modestamente) – de fato, de fato.

JORNALISTA II – e aí, Samba, como é que tá?

SAMBA – tô bem, meu filho.

MPB (chegando, esbaforida) – oi, pai.

SAMBA (abraçando-a) – oi, querida, bem vinda. Esta é minha filha muito amada.

TODOS – nós a conhecemos muito bem, menina muito boa, só te dá alegria, é popular, mas sem cair na vulgaridade.

SAMBA (enternecido) – é, só me dá alegria.

JORNALISTA – fala aí, Samba, de onde você é?

SAMBA (parecendo pensar) – bem, de origem a família é africana, só não se sabe bem de onde, não existe árvore genealógica bem estabelecida, a parentada da Bahia alega que chegou antes, mas na verdade a família Samba, Samba mesmo é daqui.

JORNALISTA III – e a Bossa Nova, essa foi pro estrangeiro, fez a cama dela, é de uma elegância só, né?

SAMBA (abraçando ainda mais a filha) – sem desfazer da MPB, a Bossa Nova cativou os estrangeiros, caíram de beiço por ela, é uma alegria essa menina, fez o Brasil famoso em toda parte, só se fala nela. A MPB se dá muito bem com ela, são duas boas garotas.

JORNALISTA II (cutucando) – e os meninos? O Pagode?

SAMBA – Esse só vive em boteco, se misturou com a turma aí, é uma coisa (todo constrangido), pessoal esquisito (fica sem graça de continuar falando), mas tem boa gente também.

JORNALISTA II (jogando pesado) – e o Funk?

SAMBA (olhando duro, não gostando nadica de o outro jogar sal na ferida) – esse moleque é barra pesada, vai acabar me enterrando, é a minha extrema unção, como diz um amigo. Acho que puxou à mãe.

MÃE – não põe a mãe no meio.

SAMBA – vai ser quem, minha família não é funkada!

MÃE – e aquela turma que foi pro Caribe? E os dos EUA?

SAMBA – quem, o Mambo? O Punk? Esse nem chegou a ir pra música, ah, pare com isso, mainha.

MÃE (botando as mãos na cintura, em gesto de desafio) – agora fica me adulando... Mainha, né?

JORNALISTA II (insistindo, vai ver tem um passado ruim com o Samba) – e o Rave, é filho seu?

SAMBA – tá doido? Por acaso todo bandido que tem por aí é meu filho? Arreda, filha do cão.

JORNALISTA II (ofendido) – não pisa nesse chão com força.

JORNALISTA IV – e o Forró? E o Baião? São parentes?

Nisso começou a batucada, terminou a entrevista e o Samba saiu dizendo: “E acabava em Samba, que é a melhor maneira de se conversar”. “Sou eu que levo a alegria pros corações brasileiros”.

Serra, quinta-feira, 02 de fevereiro de 2012.

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