Música Nativa
O Samba, já avô encanecido, deu uma
festa e chamou os jornalistas.
Lá veio ele chegando, entrado nos
anos, cabelos brancos, porém ainda inteirão, prometendo atravessar décadas, se
mais nada o abalasse. À boca pequena se dizia que alguns filhos o estavam
aborrecendo.
JORNALISTA – lá vem o Samba, é natural
do Rio de Janeiro.
SAMBA (todo feliz, modestamente) – de
fato, de fato.
JORNALISTA II – e aí, Samba, como é
que tá?
SAMBA – tô bem, meu filho.
MPB (chegando, esbaforida) – oi, pai.
SAMBA (abraçando-a) – oi, querida, bem
vinda. Esta é minha filha muito amada.
TODOS – nós a conhecemos muito bem,
menina muito boa, só te dá alegria, é popular, mas sem cair na vulgaridade.
SAMBA (enternecido) – é, só me dá
alegria.
JORNALISTA – fala aí, Samba, de onde
você é?
SAMBA (parecendo pensar) – bem, de
origem a família é africana, só não se sabe bem de onde, não existe árvore
genealógica bem estabelecida, a parentada da Bahia alega que chegou antes, mas
na verdade a família Samba, Samba mesmo é daqui.
JORNALISTA III – e a Bossa Nova, essa
foi pro estrangeiro, fez a cama dela, é de uma elegância só, né?
SAMBA (abraçando ainda mais a filha) –
sem desfazer da MPB, a Bossa Nova cativou os estrangeiros, caíram de beiço por
ela, é uma alegria essa menina, fez o Brasil famoso em toda parte, só se fala
nela. A MPB se dá muito bem com ela, são duas boas garotas.
JORNALISTA II (cutucando) – e os
meninos? O Pagode?
SAMBA – Esse só vive em boteco, se
misturou com a turma aí, é uma coisa (todo constrangido), pessoal esquisito
(fica sem graça de continuar falando), mas tem boa gente também.
JORNALISTA II (jogando pesado) – e o
Funk?
SAMBA (olhando duro, não gostando
nadica de o outro jogar sal na ferida) – esse moleque é barra pesada, vai
acabar me enterrando, é a minha extrema unção, como diz um amigo. Acho que
puxou à mãe.
MÃE – não põe a mãe no meio.
SAMBA – vai ser quem, minha família
não é funkada!
MÃE – e aquela turma que foi pro
Caribe? E os dos EUA?
SAMBA – quem, o Mambo? O Punk? Esse
nem chegou a ir pra música, ah, pare com isso, mainha.
MÃE (botando as mãos na cintura, em
gesto de desafio) – agora fica me adulando... Mainha, né?
JORNALISTA II (insistindo, vai ver tem
um passado ruim com o Samba) – e o Rave, é filho seu?
SAMBA – tá doido? Por acaso todo
bandido que tem por aí é meu filho? Arreda, filha do cão.
JORNALISTA II (ofendido) – não pisa
nesse chão com força.
JORNALISTA IV – e o Forró? E o Baião?
São parentes?
Nisso começou a batucada, terminou a
entrevista e o Samba saiu dizendo: “E acabava em Samba, que é a melhor maneira
de se conversar”. “Sou eu que levo a alegria pros corações brasileiros”.
Serra, quinta-feira, 02 de fevereiro
de 2012.
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