quarta-feira, 3 de janeiro de 2018


Deus Anda Pela Terra

 

Por um momento imaginemos que realmente haja um avatar ou robô de Deus lá em El Dorado, que ele desperte, que saia dos dois tubos e comece a andar pela Terra (a passos largos, naturalmente, pois deve ser imenso, já que “enterrou Adão” = PROJETOU AVIÃO com 60 metros de altura): pense só que enorme constrangimento!

Pois as pessoas podem sonhar ou ansiar por Deus, imaginando que só o verão no Paraíso, figura magnífica, imponente, merecedora de toda deferência já que, como diz a Bíblia, “o Céu e a Terra estão cheios de sua glória”. Outra coisa, MUITO DIFERENTE, é deparar com um avatar ali na esquina, sem mais nem menos. Imagine a vergonha que passaríamos. Pois se vamos ser julgados no Paraíso como almas, estamos supostamente desvestidos de nossas impurezas e imperfeições, mas se vamos ser julgados aqui mesmo, os homens carecas, as mulheres com celulite, alguns com dentes podres e assim por diante a vergonha será terrível.

Uma coisa é a promessa solene, mas vaga, de julgamento após a vida, pois ninguém viu a “vida após a morte” nem sabe de qualquer julgamento real. Não há testemunhos, só afirmações. Mas se o avatar de Deus despertar após vários milênios e começar o julgamento real da humanidade, isso sim, será de assustar, será de apavorar mesmo, porque alguém iria dizer “na sua cara” o que você fez de errado e isso diante de todo mundo. “Na tampa”, “na bucha” mesmo, sem qualquer subterfúgio nem chance de escapar ou negar.

Depois, uma coisa é Deus que não se vê, sobre o qual se tem curiosidade infinda, e outra muito diferente é um ente que se vê todo dia: mesmo alguém da Antiguidade que visse TV todo dia acabaria por se enfadar.

Como lidar com a realidade?

A realidade não somente não é como a ficção, ela é verdadeiramente aborrecida, pois embora estejamos rodeados de coisas maravilhosas não damos importância a elas. É preciso sobrevir o perigo de morte através duma doença muito aguda para acordarmos de nossa indiferença pelo cotidiano.

Para que a realidade se torne interessante é preciso converter toda uma vida de 50, 60, 70, 80 anos em duas horas de filme; ou abordar um ou dois dias dela ou arranjar qualquer artifício que nos tire da mesmice, já que por mais maravilhoso que seja o evento a repetição dele cansa. A mente humana se enfada rápido, como reconhece os que não encontram limites aos seus desejos.

Vitória, terça-feira, 31 de janeiro de 2006.

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