Projeto Arcanjo
Os trabalhadores estavam
escavando para construir um túnel ferroviário na cidade paulista de Araraquara
e depararam dentro da montanha, cravada no granito, o que parecia uma placa
metálica arredondada. Chamaram os engenheiros, que chamaram a direção da
companhia, que chamou o pessoal da USP.
O pessoal da USP, os
geólogos Marcelo e Débora, rindo, foram lá ver de perto o “fenômeno”. Pediram
para escavar mais, apareceu mais metal. Dataram as rochas, mais de 1,3 bilhão
de anos. Gozação dos operários não poderia ser, eles não teriam imaginação para
isso, coisa muito elaborada para eles. Alunos, gozadores, mas como iriam
colocar metal dentro da rocha? Tudo era muito intrigante. Escavaram mais,
acharam mais metal. Como foi na presença dele e em rocha duríssima,
acreditaram, ficaram com a pulga atrás da orelha. Foi juntando gente, chegaram
outros geólogos, físicos, a reitoria tomou ciência.
O prefeito, querendo chamar atenção
para a cidade, fez vazar a notícia para a imprensa, que foi lá e fotografou. O
governador foi informado e se afastou do protocolo para ir dentro do túnel
tocar o metal.
Houve estardalhaço, o
executivo federal enviou gente. O Exército acampou em volta do túnel, a área
foi interditada, proibida terminantemente. Criou-se uma redoma em volta, com
vários hectares de cobertura. Nisso a imprensa nacional toda tinha se
apresentado e a coisa vazara internacionalmente. O túnel já tinha sido desviado
vários quilômetros, prosseguindo acolá.
A escavação continuou.
Mais metal foi
aparecendo. A tecnociência mundial mais ativa foi trazida, a ONU se interpôs,
os governos brasileiro e paulista ficaram ofendidos, a ONU se desculpou.
Fizeram mais análises descrentes, sempre com a mesma conclusão, até que lá pela
trigésima pararam de vez, sempre com a mesma conclusão inelutável: 1,3 bilhão
de anos +/- 50 milhões. Os jornais e as rádios mundiais só falavam disso.
A área exposta de metal
tinha aumentado muito e para grande surpresa manifestou-se um dedo, imenso dedo
de mão de três dedos. Foi ficando claro tratar-se de gigantesca criatura num
buraco já com mais de 200 metros de profundidade.
O mundo estava siderado,
espantadíssimo.
Considerações as mais extravagantes
tinham surgido.
Era Deus? Em todo caso não era
antropóide, para grande decepção de alguns. Com certeza mais jovem que a Vida,
que na Terra tinha 3,8 bilhões de anos, mas muito mais velho que a Explosão
Cambriana de 600 milhões. Se impunha, evidentemente, haver vida noutros lugares
do universo. É claro. Grande alívio de uns, porque não éramos os únicos,
decepção de outros, porque não éramos os únicos.
Vá entender o ser humano!
Compreensíveis os primeiros, claro, se
fôssemos os únicos teríamos uma importância tremenda e Deus não nos deixaria
desaparecer, cuidaria de nós, por sermos filhos únicos. Não sendo, estávamos
por conta do Abreu, se ele não proteger nem eu.
Trezentos e cinqüenta
metros na vertical a escavação parou. Custara muito e os acampamentos em volta
tinham se expandido desmesuradamente. Vinha gente de todo lugar, mas o
interesse fora da comunidade científica diminuíra consideravelmente, porque
tudo cansa. O povo voltara às novelas e aos escândalos, os políticos clamavam
por verbas a aplicar e faturar no caixa dois.
Alguns abusados pediam dinheiro para
“se defender da ameaça extraterrestre”, imagine só! Pois se durante 1,3 bilhão
de anos não sofrera a Terra ameaça nenhuma em virtude daquele ser, iria sofrer
agora? Contudo, o povo é crédulo e alguns vereadores votaram verbas de “defesa
estratégica”. O que viria a ser isso?
A criatura não estava na
horizontal nem na vertical. Seria aquilo uma prisão? Teria sido encarcerado?
Seria um bandido perigoso que os “deuses” da Galáxia tinham misteriosamente
enjaulado debaixo da Terra? As hipóteses choviam. Os cientistas tentaram
extrair pequenas lascas para análise, mas o metal se recusava a ser sequer
arranhado. Também! Para resistir à temperatura do manto onde estivera de
início, devia ser muito resistente. E toda aquela pressão do granito em volta?
Em todo caso, tinha 527
metros de comprimento por 122 metros de largura. Não se parecida nada com
qualquer criatura da Terra, nem de longe. Araraquara tornara-se conhecida no
mundo inteiro. Um nome que em português já é difícil de falar, em algumas
línguas tornara-se motivo de riso freqüente. Os nativos aproveitaram a onda
para lucrar com o turismo e dezenas de construções apareceram em volta, visando
aproveitar o fluxo de turistas, que só fazia crescer. Os hotéis da cidade
viviam abarrotados.
As cidades da vizinhança aproveitaram
a deixa.
Proporcionalmente a
criatura era mais comprida que larga, em relação aos humanos. Não respirava,
não se movia, não fazia absolutamente coisa nenhuma. Colocando aparelhos em
toda parte os cientistas puderam medir ondas que pulsavam uma vez a cada duas
semanas.
Estava vivo.
Mas o que eram 1.300 milhões de anos?
Não há como medir, está fora de
qualquer concepção humana.
Se é que se podia falar de coração, o
daquele ente estava pulsando na mesma ordem de grandeza da existência da Terra.
Uns pediam silêncio em volta, com medo do seu despertar, mas era tolice, porque
a Terra como um todo fazia muito mais barulho do que a humanidade conjuntamente
poderia fazer.
Passaram-se as décadas,
a humanidade continuou a se desenvolver, alcançando níveis inimagináveis antes.
A própria presença de criatura tão gigantesca foi motivo para acentuado
crescimento geral. Mas ela não dava qualquer sinal. Seria o demônio? Seria um
anjo? Talvez fosse um arcanjo. Arcanjos teriam tais dimensões? Como uma
criatura assim poderia viver? Nenhum ser pode ter essas medidas, diziam as leis
da Física, e funcionar.
Embora não tivessem conseguido nem
arranhar o corpo nem conseguir nenhuma informação dessa mente, que deveria ser
extraordinária, a simples presença do “anjo” favorecera tremendamente a
tecnociência terrestre e todo o conhecimento. “Do nada” a Terra deu um salto
rumo ao espaço, desenvolveu-se séculos em décadas e continuou a acumulação
exponencial.
Ao longo dos milênios seguintes foi viver
em cidades espaciais, dali saiu do sistema solar, a Terra foi recuperada da
devastação milenar da ecologia, parte da Vida (fungos, plantas, animais e
primatas) ficou, parte foi junto, o planeta tornou-se um Éden novamente, a
humanidade o abandonou totalmente, porque os corpos foram modificados pelos
novos ambientes em gravidade zeta (γς, gama-zeta, gravidade perto de zero) e
não conseguiam mais funcionar a 1,0 G.
Quando a humanidade foi embora as
pedras foram reconstituídas em volta do ser e ele voltou à mesma posição de
quando fora descoberto. Não que as pedras servissem para algo mais que ocultar
dos olhares. Todos os objetos humanos da Terra desapareceram.
Lúcifer estava condenado há muito
tempo e seus seguidores confinados em outros tantos mundos pelas galáxias.
Deus não esquece as ofensas.
Serra, quarta-feira, 08 de fevereiro
de 2012.
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