terça-feira, 1 de novembro de 2016


Um a Mais

 

Amigos se encontraram, aquela emoção. Eu tava junto, fiquei assuntando. Se abraçaram com força, eu também, fiquei reparando a festa.

AMIGUM – Cara! Onde você estava?

DOISAMIGO – fui ao Mato Grosso.

AMIGUM – pescar? Já fiz isso uns três anos atrás. Miguel, lá realmente tem isso do folclore de peixe maior que a gente.

MIGUEL – e eu não sei, Teto? Vi com meus olhos, embora tenha ido para caçar, outros estavam pescando, até me deram uns peixes pra trazer, trouxe, se você quiser tem muito. Cê quer, Raí?

Fiz que não.

TETO – ah, não, agradeço, cansei de tanto comer peixe feito de todo jeito, a mulher cansou de fazer, a empregada tava reclamando, as crianças nem podiam mais ver peixe. Fez o quê, então?

MIGUEL – ah, cacei, poxa, que emoção.

TETO – caçou o quê?

MIGUEL – fixei numa coisa só, queria ver até onde ia: 299 ererês. A gente paga uma grana, mais que comprando, vai para a proteção ambiental.

TETO – 299!!!??? Caramba.

MIGUEL – 299, trouxe três freezers cheios, só eu, os outros também trouxeram vários, mas com peixes misturados, foi só metade de um, daqueles que ganhei.

TETO (que era alto, à toa o apelido não seria) – 299 é coisa, hem? Para encurtar você podia dizer logo 300.

MIGUEL – porquê eu diria 300, se foram 299?

TETO – economia de palavras, 299 são cinco palavras, contado os “e”, artigo de ligação. 300 é uma só.

MIGUEL – mas aí não estaria retratada a verdade, foram 299, não foram 300, tudo contadinho e anotado, vigiado pelos colegas e amigos, ali em cima.

TETO – certo, mas lá, né, aqui ninguém tá sabendo.

MIGUEL – EU ESTOU!

TETO (percebendo a gafe, querendo escapulir) – eu também, re-re-re, mas não é isso, é a economia da fala.

MIGUEL – não estou querendo economizar a fala à custa de mentira.

TETO – queisso, Miguel? Não tou querendo chamar você de mentiroso, de jeito nenhum, longe de mim.

MIGUEL (baixinho, crescendo, empinando) – tá querendo chamar de quê, então?

TETO – de nada, Miguel, arrependi de ter falado.

MIGUEL – é, podia ter ficado calado.

TETO (saindo da postura relaxada e ficando mais alto) – também não é para isso.

MIGUEL (sentindo a barra, mas querendo manter a pose) – você tá me chamando de mentiroso.

TETO (encrespando) – vê se te manca. Nem somos tão conhecidos assim.

MIGUEL (cobrando) – pra me chamar de mentiroso nós somos bastante íntimos, né?

TETO (se aborrecendo) – olhe, sujeito, a coisa também não é assim.

MIGUEL – depois de me chamar de mentiroso agora que me bater?

TETO (um pouco arrependido) – ninguém quer bater em ninguém.

MIGUEL – você faz assim com seus outros amigos? Chama eles de mentirosos?

TETO – não te chamei de mentiroso pôrra nenhuma! Só disse para falar 300 em lugar de 299.

MIGUEL – e quando os outros ficassem sabendo? Aí, hem, aumentou um, depois vão ser quantos? 350? Daqui a 10 anos já vão chegar em 600, despovoou o Mato Grosso.

TETO – vai querer encarar, cacete?

MIGUEL – o quê o quê?

Eu tava junto, quando chegou nesse ponto chamei um guarda que ia passado: ei, seu guarda, dá uma mão aqui.

O guarda veio justo na hora que o Teto deu um tapão no Miguel, ele abaixou, acertou no quepe do policial, ele arrancou o cassetete, me afastei um pouco para sentar no banco, estava meio cansado, fiquei olhando os dois irem para a delegacia, fui atrás para telefonar para a parentada.

Serra, sexta-feira, 15 de janeiro de 2016.

GAVA.

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