quarta-feira, 6 de setembro de 2017


Esses Grandes Sacrifícios que nos Sustentam

 

                            De julho de 1992 a março de 2005, por quase 13 anos (menos os períodos de férias, 12 ou 13, e os meses em que lá não estive) freqüentei os postos fiscais, onde é tudo muito difícil, não se listando propriamente o dormir menos (embora já se dormisse seis horas por noite, forcei para conseguir para os colegas duas horas de dia, de modo que dormimos tanto quanto qualquer um, oito horas; fora as horas de alimentação, necessidades fisiológicas e morcegação geral de mil modos inventivos de quase todos), pois nem é isso. É mais a dificuldade de lidar com os motoristas e eles conosco; a vida deles é dificílima, passando por estradas esburacadas, lidando miudamente com fretes baixos e exploração dos patrões (os que não possuem carro próprio), enfrentando os muitos ladrões na pista (inclusive policiais federais que pedem propina, ou os fiscais), uma infinidade de problemas. Então, eles nos ofendem e nós devolvemos o troco. Em nenhuma profissão existe isso, pois ninguém vai a consultório médico insultar o doutor, nem a repartição pública violentar os atendentes – só no Fisco de fronteira é assim, porque as pessoas são atrasadas no trânsito, enfrentam a burocracia desatenciosa, são multadas, uma quantidade enorme de dificuldades.

                            Então, nós sofremos.

                            Nesses 13 anos, para ter os 5,5 dias de folga (são seis em oito, mas há o trânsito) para escrever, sujeitei-me, e sofri.

                            Mas esse meu sofrimento, inclusive com perseguição constante das chefias, ainda que agudo não é nada perto do que outros sofreram para beneficiar a humanidade. Assim, quando olho a liberdade, posta adiante de tantas covardias e tantos covardes, sei que a devo aos lutadores, aos libertadores; e, por assim dizer, rezo por eles, que nos momentos de coragem e enfrentamento nos salvaram dos piores destinos.

                            E quando vejo tudo que nos foi garantido, de azulejos a tantas liberdades e benefícios, sei que foi devido àquelas almas reais que se sacrificaram pela coletividade; não veio dos aproveitadores, dos Jorginho Guinle da vida, veio dos que perderam a noite para descobrir uma fórmula, dos que por anos a fio mourejaram para levantar uma ponte grande e de construção complexa, todas essas criaturas que aplaudo e que nos sustentam com tudo isso que de bom está à nossa volta. Quando olho para as coisas construídas vejo presentes todas essas almas que nelas estão estampadas, pois as coisas são estampas das almas que as fizeram.

                            Vitória, segunda-feira, 14 de março de 2005.

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