Roxinha
Todo dia de manhã o grupo ia passear de
bicicleta na orla, nesse dia um deles encontrou a sua com o pneu furado, não
daria mesmo para o pessoal ficar esperando consertar, nem ele deixaria de ir,
pegou a da mulher, que tinha – naturalmente – o quadro em V, era roxa com
cestinha roxa.
|
O pessoal foi normal.
Andou um bocado, na volta parou para
descansar.
OUTRO (arfando um pouco) – roxinha.
O REFERIDO (distraído) – o quê?
OUTRO – nada.
O REFERIDO – como, nada? Se fosse nada você
não teria motivo para falar, nada teria falado, a gente não gasta palavra à
toa.
OUTRO – nada, não.
O REFERIDO – como, nada? Fala logo,
desembucha.
OUTRO – né nada não, Manel, falei por falar.
MANEL – alguma crítica você tem, nego Jorge.
NEGO JORGE – que isso, Manel, desencuca,
cara.
AINDA OUTRO (que estava mais perto e se
comportava como chefe de turma) – que que está pegando, gente?
NEGO JORGE (fazendo pouco caso) – né nada,
não, Pater. Papo amistoso.
MANEL (injuriado) – como, papo amistoso?
Crítica é nada?
NEGO JORGE – ih, cara, você está levando longe
demais.
PATER (autoritário de autoridade que ninguém
tinha lhe dado, descendo do selim e ficando com um pé de um lado e outro do
lado contrário do quadro) – que foi?
MANEL (apontando a cesta e a bicicleta) – ele
falou “roxinha”.
NEGO JORGE – não falei “roxinha”, falei
roxinha.
MANEL – é, falou roxinha como “roxinha”,
tinha crítica.
MAIS OUTRO – que foi?
PATER – Nego Jorge falou “roxinha” da
bicicleta do Manel, ele está puto.
NEGO JORGE – não falei “roxinha”, falei
roxinha, sem entonação, sem crítica. Não se mete, não, Rafa, deixa baixo, não
põe lenha na fogueira.
RAFA (colocando lenha na fogueira) – eu
estava de lado, mas me pareceu “roxinha”.
MANEL (agradecendo o apoio, apontando com a
mão aberta para cima) – távendo, é crítica.
NEGO JORGE (com raiva, para Manel) – que é,
hem, cara? O que você quer? Acordou com o ovo virado? Trepou mal?
MANEL (descendo da bicicleta, passando a
perna por cima e não no meio do quadro, como se fosse mulher) – o que é, vai
começar a ofender?
UM QUARTO (troncudo, era o resolvedor das
paradas) – que é, as mocinhas vão subir nas tamancas?
NEGO JORGE (magoado) – você também, Miudinho?
MIUDINHO (crescendo) – eu o quê?
NEGO JORGE (sem se deixar intimidar) – não
vem, não.
MANEL – Miudinho, deixe que eu resolvo essa
parada (encostou a bicicleta no meio-fio e foi para cima de Nego Jorge).
NEGO JORGE (de cima da bicicleta mesmo
deu-lhe um soco) – vem, seu boiola, bem que vou rebentar você todinho.
MANEL (com o nariz arrebentado, levantando-se
do estatelamento) – você vai ver quem é boiola, seu corno, chifrudo, sua mulher
transa com um monte de gente, se você quiser eu faço a lista.
MIUDINHO (aproveitando para dar um tapão na
cabeça de Nego Jorge) – vocês vão ficar quietos!
Nisso o povo das redondezas, querendo ajudar,
se aproximou.
UM DO POVO – dá nos rins, aí é que dói mais.
OUTRO DO POVO – acerta na orelha para ele
ficar surdo.
MAIS UM DO POVO (passando rasteira logo no
Miudinho) – acerta na glote, tiro e queda.
MANEL (mirando Nego Jorge, mas acertando um
popular) – toma, seu merda.
POPULAR (revidando) – que é que eu tenho com
essa pôrra, seus titicas?
Bom, aí chegou a polícia para apartar e
“desceu o cacete”, pelo menos umas dez bordoadas eu contei. Filmei tudo, claro,
desde o início, eu estava com a câmera do passeio, vou chantagear, lógico, os
dois lados, mas vou guardar uma cópia para depois. Vou postar e colocar como se
fosse outro, um passante qualquer.
Há, há, há, foi hilário.
Sábado seguinte lá estavam os bostas outra
vez, nem tinham sarado ainda os machucados. Fui junto, só um mês depois contei
da filmagem.
Pôta que o pariu, pôrra, é de lascar.
Manel foi com a dele, não foi mais com a da
mulher.
Serra, sexta-feira, 08 de janeiro de 2016.
GAVA.
Nenhum comentário:
Postar um comentário