terça-feira, 1 de novembro de 2016


Roxinha

 

Todo dia de manhã o grupo ia passear de bicicleta na orla, nesse dia um deles encontrou a sua com o pneu furado, não daria mesmo para o pessoal ficar esperando consertar, nem ele deixaria de ir, pegou a da mulher, que tinha – naturalmente – o quadro em V, era roxa com cestinha roxa.

 

O pessoal foi normal.

Andou um bocado, na volta parou para descansar.

OUTRO (arfando um pouco) – roxinha.

O REFERIDO (distraído) – o quê?

OUTRO – nada.

O REFERIDO – como, nada? Se fosse nada você não teria motivo para falar, nada teria falado, a gente não gasta palavra à toa.

OUTRO – nada, não.

O REFERIDO – como, nada? Fala logo, desembucha.

OUTRO – né nada não, Manel, falei por falar.

MANEL – alguma crítica você tem, nego Jorge.

NEGO JORGE – que isso, Manel, desencuca, cara.

AINDA OUTRO (que estava mais perto e se comportava como chefe de turma) – que que está pegando, gente?

NEGO JORGE (fazendo pouco caso) – né nada, não, Pater. Papo amistoso.

MANEL (injuriado) – como, papo amistoso? Crítica é nada?

NEGO JORGE – ih, cara, você está levando longe demais.

PATER (autoritário de autoridade que ninguém tinha lhe dado, descendo do selim e ficando com um pé de um lado e outro do lado contrário do quadro) – que foi?

MANEL (apontando a cesta e a bicicleta) – ele falou “roxinha”.

NEGO JORGE – não falei “roxinha”, falei roxinha.

MANEL – é, falou roxinha como “roxinha”, tinha crítica.

MAIS OUTRO – que foi?

PATER – Nego Jorge falou “roxinha” da bicicleta do Manel, ele está puto.

NEGO JORGE – não falei “roxinha”, falei roxinha, sem entonação, sem crítica. Não se mete, não, Rafa, deixa baixo, não põe lenha na fogueira.

RAFA (colocando lenha na fogueira) – eu estava de lado, mas me pareceu “roxinha”.

MANEL (agradecendo o apoio, apontando com a mão aberta para cima) – távendo, é crítica.

NEGO JORGE (com raiva, para Manel) – que é, hem, cara? O que você quer? Acordou com o ovo virado? Trepou mal?

MANEL (descendo da bicicleta, passando a perna por cima e não no meio do quadro, como se fosse mulher) – o que é, vai começar a ofender?

UM QUARTO (troncudo, era o resolvedor das paradas) – que é, as mocinhas vão subir nas tamancas?

NEGO JORGE (magoado) – você também, Miudinho?

MIUDINHO (crescendo) – eu o quê?

NEGO JORGE (sem se deixar intimidar) – não vem, não.

MANEL – Miudinho, deixe que eu resolvo essa parada (encostou a bicicleta no meio-fio e foi para cima de Nego Jorge).

NEGO JORGE (de cima da bicicleta mesmo deu-lhe um soco) – vem, seu boiola, bem que vou rebentar você todinho.

MANEL (com o nariz arrebentado, levantando-se do estatelamento) – você vai ver quem é boiola, seu corno, chifrudo, sua mulher transa com um monte de gente, se você quiser eu faço a lista.

MIUDINHO (aproveitando para dar um tapão na cabeça de Nego Jorge) – vocês vão ficar quietos!

Nisso o povo das redondezas, querendo ajudar, se aproximou.

UM DO POVO – dá nos rins, aí é que dói mais.

OUTRO DO POVO – acerta na orelha para ele ficar surdo.

MAIS UM DO POVO (passando rasteira logo no Miudinho) – acerta na glote, tiro e queda.

MANEL (mirando Nego Jorge, mas acertando um popular) – toma, seu merda.

POPULAR (revidando) – que é que eu tenho com essa pôrra, seus titicas?

Bom, aí chegou a polícia para apartar e “desceu o cacete”, pelo menos umas dez bordoadas eu contei. Filmei tudo, claro, desde o início, eu estava com a câmera do passeio, vou chantagear, lógico, os dois lados, mas vou guardar uma cópia para depois. Vou postar e colocar como se fosse outro, um passante qualquer.

Há, há, há, foi hilário.

Sábado seguinte lá estavam os bostas outra vez, nem tinham sarado ainda os machucados. Fui junto, só um mês depois contei da filmagem.

Pôta que o pariu, pôrra, é de lascar.

Manel foi com a dele, não foi mais com a da mulher.

Serra, sexta-feira, 08 de janeiro de 2016.

GAVA.

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