segunda-feira, 14 de novembro de 2016


Cumbuquim

 

A PRÁTICA DO DIMINEIRIM SÓ INMINAS (do dicionário de mineirês ou mineirim só em Minas Gerais, só sendo nativo) – eu, propriamente, sou praticante do capixabês.

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O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar, sensual e lindo (das mineiras) ficou de fora? Porque, Deus, que sotaque! Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde. Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso? Assino achando que ela me faz um favor. Eu sou suspeitíssimo.
Confesso: esse sotaque me desarma. Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque. Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem: pode parar, dizem: "pó parar"). Não dizem: onde eu estou?, dizem: "ôncôtô.
Os não-mineiros, gnorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem - linguisticamente falando - apenas de uais, trens e sôs. Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é bom de serviço. Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô. Se der no couro - metaforicamente falando, claro - ele é bom de serviço. Faz sentido... Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: "cê tá boa? " Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário.
Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada. Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: - Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc.). O verbo "mexer", para os mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício. Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta. Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz: - Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô. Esse "aqui" é outro que só tem aqui. É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer, olá, me escutem, por favor. É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor. Mineiras não dizem apaixonado por". Dizem, sabe-se lá por que, "apaixonado com". Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: "Ah, eu apaixonei com ele...". Ou: "sou doida com ele" (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). Elas vivem apaixonadas com alguma coisa.
Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um tal de bonitim, fechadim, e por aí vai. Já me acostumei a ouvir: "E aí, vão?". Traduzo: "E aí, vamos?". Não caia na besteira de esperar um "vamos" completo de uma mineira. Não ouvirá nunca. Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal. Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas. Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer: - Eu preciso de ir. Onde os mineiros arrumaram esse "de", aí no meio, é uma boa pergunta. Só não me perguntem. Mas que ele existe, existe. Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório. Deixa eu repetir, porque é importante. Aqui em Minas ninguém precisa ir a lugar nenhum. Entendam... Você não precisa ir, você "precisa de ir". Você não precisa viajar, você "precisa de viajar". Se você chamar sua filha para acompanhá-la ao supermercado, ela reclamará: Ah, mãe, eu preciso de ir? No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um tanto de coisa. O supermercado não estará lotado, ele terá um tanto de gente. Se a fila do caixa não anda, é porque está agarrando lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!
Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará: - Ai, gente, que dó. É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras. Não vem caçar confusão pro meu lado. Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro "caça confusão". Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele vive caçando confusão". Para uma mineira falar do meu desempenho sexual, ou dizer que algo é muitíssimo bom vai dizer: "Ô, é sem noção". Entendeu, leitora? É sem noção! Você não tem, leitora, ideia do tanto de bom que é. Só não esqueça, por favor, o "Ô" no começo, porque sem ele não dá para dar noção do tanto que algo é sem noção, entendeu? Capaz... Se você propõe algo ela diz: Capaz!!! Vocês já ouviram esse "capaz"? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer "cê acha que eu faço isso"!? Com algumas toneladas de ironia.. Se você ameaçar casar com a Gisele Bündchen, ela dirá: "ô dó docê". Entendeu? Não? Deixa para lá. É parecido com o "nem...". Já ouviu o "nem..."? Completo ele fica:- Ah, nem... O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum. Você diz: "Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?". Resposta: "nem..." Ainda não entendeu? Uai, nem é nem. Leitor, você é meio burrinho ou é impressão? A propósito, um mineiro não pergunta: "você não vai?". A pergunta, mineiramente falando, seria: "cê não anima de ir"? Tão simples. O resto do Brasil complica tudo. É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem... Falando em "ei...". As mineiras falam assim, usando, curiosamente, o "ei" no lugar do "oi".
Você liga, e elas atendem lindamente: "eiiii!!!", com muitos pontos de exclamação, a depender da saudade... Tem tantos outros... O plural, então, é um problema. Um lindo problema, mas um problema. Sou, não nego, suspeito. Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras. Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão. Se você, em conversa, falar: Ah, fui lá comprar umas coisas...- Que' s coisa? - ela retrucará. O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que. Ouvi de uma menina culta um "pelas metade", no lugar de "pela metade". E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará: -Ele pôs a culpa "ni mim". A conjugação dos verbos tem lá seus istérios, em Minas ... Ontem, uma senhora docemente me consolou: "preocupa não, bobo!". E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras, nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um: "não se preocupe", ou algo assim.
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antionti - antes de ontem
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cadiquê - o mez qui causdiquê
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coquincuntes - é uma coisa que acontece
credincruis - credo em cruz
dárripidivê - isso dá arrepio de ver
dendapia - dentro da pia
denduforno - dentro do forno
dentifrisso - dentifrício, o mesmo que pasta de dente, embora em desuso
deu - o mesmo que "di mim": "Larga deu, ô sô!"
dicoqui - de cócoras, sentar agachado
dimais da conta - além da medida; "bom... ", muito bom, excelente
djenium - de jeito nenhum
docê - de você
dodicabes - dor de cabeça
dodistongo - dor de estômago
doidimais - doido demais
donasjunta - dor nas articulações
donofigu - dor no fígado
éakekiliga - é aquele que liga
émez - é mesmo?
iscodidente - escova de dente
jizdifora - Cidade minera "pertín do RidiJanero". O "pessoar da capitár" nunca sabe se a turma de lá é "minerin" ou carioca. Daí ficam dizendo que é terra dos "carioca do brejo".
kabô - acabou
kapoko - daqui a pouco
kidicarne - kilo de carne
lidileite - litro de leite
magrilin - Indivíduo muito magro
makifalducação - mas que falta de educação
manem - de forma alguma, de jeito nenhum
mastumate - massa de tomate
midipipoca - milho de pipoca
modizê - modo de dizer, maneira de falar algo
moiá a palavra - tomar um gole, beber um gole de bebida como cachaça
nó - forma reduzida de nossinhora
nossinhora - nossa senhora
nu - versão muderna do "nó", coisa dos jeca de belzonte
nutogradanodis - não estou agradando disso, não estou gostando disso
onquié - onde que é?
onquoto - onde que estou
oprocevê - olha pra você ver!
óscargualzim - olha os carros iguaizinhos
óuchero - olha o cheiro!
pincumel - pinga com mel
pipocumquijim - pipoca com queijinho (qualquer hora divulgo a receita!)
pokim - pouquinho, bocadinho
pondiôns - ponto de ônibus
pradaliberdade - Praça da Liberdade
prestenção - presta atenção
procê - pra você
pron-nostaminu - para onde nos estamos indo?
pucausque - por causa de quê?
puquecetamipeguntanuissu - por que você está me perguntando isso?
quentá sóli - ficar sentado de cócoras no terreiro pegando o primeiro sol da manhã pra passar o frio
quainahora - quase na hora
sápassado - Sábado passado
sessetembro - sete de setembro
tampar - jogar, lançar, arremessar
tidiguerra - tiro de guerra
tissodaí - tira isso dai
tradaporta - atrás da porta
trem - coisa, qualquer coisa é um trem, mas nem todo trem é uma coisa.
trudia - outro dia
tupicão - também tropicão, quer dizer tropeço.
vidiperfumi - vidro de perfume
Diálogo de mineirins farofeiros em Guarapari.
- Pópopó? (Pode por pó).
- Pópopó, mapopopó. (Pode por pó, mas pode por pouco pó).


O português é essa língua linda que permite inumeráveis contrações palatáveis, deliciosas, cheias de redondíssimas vogais, suculentíssimas.

Já vimos que piadas (e todo riso, como mostrou Umberto Eco em O Nome da Rosa) são defesas contra as tiranias (inclusive da superafetação do ”politicamente correto” cheio de dedos) do gosto conformado e repetitivo; são rebeldias, são rejeições do mandonismo, da superalteridade, da substituição de si pelo outro, trabalham contra a submissão pela doutrina: povo que não ri é povo pronto a ser dominado (você pode fazer o levantamento do mau-humor, do mau-amor; vai ver que Hitler pôde dominar PORQUE os alemães não riem). Gente que não ri pode trair, pode entregar, certamente vai puxar saco.

Povo que não ri e que não ri de si é frágil, é conquistável.

Quem ri sabe enfrentar a vida, quem ri não liga para tropeços, quem ri está disposto a tudo, inclusive a ajudar os filhos, os amigos, os irmãos, os parentes, os colegas, os desconhecidos.

A gíria é o riso das palavras.

E as contrações linguísticas constituem um índice de desencantamento com a normalidade. Inventei algumas: pronquivou, donquivenho, donquitou, donquivem, onquitá; a par das conhecidas vambora, tudibom, tudim, bondimais e assim vai.

Só nessa língua, só nessa língua.

Ai, que felicidade.

E cumbuquim é contração de cumbuquinha, pequena cumbuca.

DEUS FEZ UM PAIS PARA SI (mas vieram Lulambão e Dilmandona tentar estragar)

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A luz nossa de cada dia nos dai hoje (isso deveria ajudar a evitar lâmpadas com a ajuda da arquiengenharia).
http://patricialins.files.wordpress.com/2013/09/sem-tc3adtulo.png
Falta agradecer e aprender a aproveitar o calor do Sol com termocoletores e a luz com fotocoletores.

·        Neve só tem um tiquinho no Sul para os saudosistas do frio europeu;

·        Terremotos assustadores noutras partes, aqui precisam de aparelhos sensibilíssimos para serem ouvidos e sentidos porque, gente, dia após dia, ano após ano estamos aqui sem tremedeiras - a gente até esquece que o mundo treme;

·        Em Santa Catarina para aquela imitação de tufão precisaram fazer procissão no dia da santa padroeira;

·        Três colheitas por ano (o primeiro jornalista, Pero Vaz de Caminha – já fala de cama, pequena cama -, disse que “em se plantando tudo dá” já em 1500);

·        Tsunami só se for passear no Oriente;

·        Guerra mesmo só em 1860;

·        Rios de montão (só em volta do Amazonas sete mil, dizem);

·        O monte mais alto interno fica entre Minas Gerais e Espírito Santo, o outro é na fronteira com outro país;

·        Sei lá, como disse Einstein, o Senhor é sutil, deve ter muito mais coisas por aí, vá procurar.

E a língua, meu Deus do Céu!

Dizem que só se pode filosofar em alemão. Claro, em alemão. Em português filosofamos em português, é tudo tão justo, tão perfeito!

Em resumo, alguém precisa fazer um livro sobre essa língua portuguesa-brasileira (sobre a sabedoria de lá tivemos que incrementar indigenismos, africanismos, asianismos, estrangeirismos, uma profusão de somas).

Arre, isso é mutcho bom.

Mas isso é baianíssimo, é superlativo também.

Já é outro cumbuquim de Deus.

Serra, domingo, 23 de agosto de 2015.

GAVA.

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