Cumbuquim
A PRÁTICA DO
DIMINEIRIM SÓ INMINAS (do dicionário de mineirês ou mineirim só em Minas
Gerais, só sendo nativo) – eu, propriamente, sou praticante do capixabês.
|
Letras.etc.br
O
sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. Porque, se tudo
que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar,
sensual e lindo (das mineiras) ficou de fora? Porque, Deus, que sotaque!
Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde.
Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando
tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso? Assino achando que ela me
faz um favor. Eu sou suspeitíssimo.
Confesso:
esse sotaque me desarma. Certa vez quase propus casamento a uma menina
que me ligou por engano, só pelo sotaque. Os mineiros têm um ódio mortal das
palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do
caminho (não dizem: pode parar, dizem: "pó parar"). Não dizem: onde
eu estou?, dizem: "ôncôtô.
Os
não-mineiros, gnorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e
levianamente, que os mineiros vivem - linguisticamente falando - apenas de
uais, trens e sôs. Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o sujeito é
competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é bom de serviço.
Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de
filme pornô. Se der no couro - metaforicamente falando, claro - ele é
bom de serviço. Faz sentido... Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem.
Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra:
"cê tá boa? " Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma
mineira se ela tá boa é desnecessário.
Há
outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada. Um
amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: - Mexe com isso não, sô
(leia-se: sai dessa, é fria, etc.). O verbo "mexer", para os
mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo,
trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido. Querem
saber o seu ofício. Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui
ninguém consegue nada. Você não dá conta. Sôcê (se você) acha que não vai
chegar a tempo, você liga e diz: - Aqui, não vou dar conta de chegar na hora,
não, sô. Esse "aqui" é outro que só tem aqui. É antecedente
obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usada, no
entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma
forma de dizer, olá, me escutem, por favor. É a última instância antes de
jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor. Mineiras não dizem
apaixonado por". Dizem, sabe-se lá por que, "apaixonado
com". Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora:
"Ah, eu apaixonei com ele...". Ou: "sou doida com ele"
(ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). Elas
vivem apaixonadas com alguma coisa.
Que os
mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um tal de bonitim,
fechadim, e por aí vai. Já me acostumei a ouvir: "E aí, vão?".
Traduzo: "E aí, vamos?". Não caia na besteira de esperar um
"vamos" completo de uma mineira. Não ouvirá nunca. Eu preciso
avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo
respeito, a mineira. Nada pessoal. Aqui certas regras não entram. São
barradas pelas montanhas. Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que
precisa ir a um lugar, vai dizer: - Eu preciso de ir. Onde os mineiros
arrumaram esse "de", aí no meio, é uma boa pergunta. Só não me
perguntem. Mas que ele existe, existe. Asseguro que sim, com escritura
lavrada em cartório. Deixa eu repetir, porque é importante. Aqui em Minas
ninguém precisa ir a lugar nenhum. Entendam... Você não precisa ir, você
"precisa de ir". Você não precisa viajar, você "precisa de viajar".
Se você chamar sua filha para acompanhá-la ao supermercado, ela
reclamará: Ah, mãe, eu preciso de ir? No supermercado, o mineiro não faz
muitas compras, ele compra um tanto de coisa. O supermercado não estará
lotado, ele terá um tanto de gente. Se a fila do caixa não anda, é porque
está agarrando lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!
Se,
saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena,
suspirará: - Ai, gente, que dó. É provável que a essa altura o leitor já
esteja apaixonado pelas mineiras. Não vem caçar confusão pro meu lado.
Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro "caça
confusão". Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor
falar, para se fazer entendido, que ele vive caçando confusão". Para
uma mineira falar do meu desempenho sexual, ou dizer que algo é muitíssimo
bom vai dizer: "Ô, é sem noção". Entendeu, leitora? É sem noção!
Você não tem, leitora, ideia do tanto de bom que é. Só não esqueça, por
favor, o "Ô" no começo, porque sem ele não dá para dar noção do
tanto que algo é sem noção, entendeu? Capaz... Se você propõe algo ela diz:
Capaz!!! Vocês já ouviram esse "capaz"? É lindo. Quer dizer o quê?
Sei lá, quer dizer "cê acha que eu faço isso"!? Com algumas
toneladas de ironia.. Se você ameaçar casar com a Gisele Bündchen, ela dirá:
"ô dó docê". Entendeu? Não? Deixa para lá. É parecido com o
"nem...". Já ouviu o "nem..."? Completo ele fica:- Ah,
nem... O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que
o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito
nenhum. Você diz: "Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no
Mineirão?". Resposta: "nem..." Ainda não entendeu? Uai, nem é
nem. Leitor, você é meio burrinho ou é impressão? A propósito, um mineiro não
pergunta: "você não vai?". A pergunta, mineiramente falando, seria:
"cê não anima de ir"? Tão simples. O resto do Brasil complica tudo.
É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem... Falando em "ei...".
As mineiras falam assim, usando, curiosamente, o "ei" no lugar do
"oi".
Você liga, e elas atendem lindamente: "eiiii!!!", com muitos
pontos de exclamação, a depender da saudade... Tem tantos outros... O plural,
então, é um problema. Um lindo problema, mas um problema. Sou, não nego,
suspeito. Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes
vocabulares das mineiras. Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é
outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão. Se você, em conversa,
falar: Ah, fui lá comprar umas coisas...- Que' s coisa? - ela retrucará. O
plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que. Ouvi de uma menina culta
um "pelas metade", no lugar de "pela metade". E se você
acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará: -Ele pôs a
culpa "ni mim". A conjugação dos verbos tem lá seus istérios, em
Minas ... Ontem, uma senhora docemente me consolou: "preocupa não,
bobo!". E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras,
nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um: "não se
preocupe", ou algo assim.
|
|||||||
|
O português é essa língua linda que permite
inumeráveis contrações palatáveis, deliciosas, cheias de redondíssimas vogais, suculentíssimas.
Já vimos que piadas (e todo riso, como
mostrou Umberto Eco em O Nome da Rosa)
são defesas contra as tiranias (inclusive da superafetação do ”politicamente
correto” cheio de dedos) do gosto conformado e repetitivo; são rebeldias, são
rejeições do mandonismo, da superalteridade, da substituição de si pelo outro,
trabalham contra a submissão pela doutrina: povo que não ri é povo pronto a ser
dominado (você pode fazer o levantamento do mau-humor, do mau-amor; vai ver que
Hitler pôde dominar PORQUE os alemães não riem). Gente que não ri pode trair,
pode entregar, certamente vai puxar saco.
Povo que não ri e que não ri de si é frágil,
é conquistável.
Quem ri sabe enfrentar a vida, quem ri não
liga para tropeços, quem ri está disposto a tudo, inclusive a ajudar os filhos,
os amigos, os irmãos, os parentes, os colegas, os desconhecidos.
A gíria é o riso das palavras.
E as contrações linguísticas constituem um
índice de desencantamento com a normalidade. Inventei algumas: pronquivou,
donquivenho, donquitou, donquivem, onquitá; a par das conhecidas vambora,
tudibom, tudim, bondimais e assim vai.
Só nessa língua, só nessa língua.
Ai, que felicidade.
E cumbuquim é contração de cumbuquinha,
pequena cumbuca.
DEUS FEZ UM PAIS PARA
SI
(mas vieram Lulambão e Dilmandona tentar estragar)
|
A luz nossa de cada dia nos dai hoje (isso
deveria ajudar a evitar lâmpadas com a ajuda da arquiengenharia).
|
Falta agradecer e aprender a aproveitar o
calor do Sol com termocoletores e a luz com fotocoletores.
|
·
Neve
só tem um tiquinho no Sul para os saudosistas do frio europeu;
·
Terremotos
assustadores noutras partes, aqui precisam de aparelhos sensibilíssimos para
serem ouvidos e sentidos porque, gente, dia após dia, ano após ano estamos aqui
sem tremedeiras - a gente até esquece que o mundo treme;
·
Em
Santa Catarina para aquela imitação de tufão precisaram fazer procissão no dia
da santa padroeira;
·
Três
colheitas por ano (o primeiro jornalista, Pero Vaz de Caminha – já fala de
cama, pequena cama -, disse que “em se plantando tudo dá” já em 1500);
·
Tsunami
só se for passear no Oriente;
·
Guerra
mesmo só em 1860;
·
Rios
de montão (só em volta do Amazonas sete mil, dizem);
·
O
monte mais alto interno fica entre Minas Gerais e Espírito Santo, o outro é na
fronteira com outro país;
·
Sei
lá, como disse Einstein, o Senhor é sutil, deve ter muito mais coisas por aí,
vá procurar.
E a língua, meu Deus do Céu!
Dizem que só se pode filosofar em alemão.
Claro, em alemão. Em português filosofamos em português, é tudo tão justo, tão
perfeito!
Em resumo, alguém precisa fazer um livro
sobre essa língua portuguesa-brasileira (sobre a sabedoria de lá tivemos que
incrementar indigenismos, africanismos, asianismos, estrangeirismos, uma
profusão de somas).
Arre, isso é mutcho bom.
Mas isso é baianíssimo, é superlativo também.
Já é outro cumbuquim de Deus.
Serra, domingo, 23 de agosto de 2015.
GAVA.



Nenhum comentário:
Postar um comentário