quinta-feira, 27 de outubro de 2016


Inferno Dedante

 

O consultório do proctologista estava cheio, os homens com os braços apoiados nos joelhos, cabeças baixas, as mulheres altivas, dedada no olho cego dos outros é rei-fresco. Inclusive a médica que me atendeu perguntou inocentemente “por que os homens têm medo disso?”, nem reparei se estava rindo. As mulheres durinhas, empinadinhas, umas rindo com o canto da boca, outras com os olhos, mirando diretamente para as outras, quando era o caso; os homens derreados esperavam a chamada, conforme ia chegando a vez, o da vez oferecia para os demais, a oferta era gentilmente recusada, aquela coisa da deferência.

O médico, esse tinha o dedo médio da mão direita DESTAMANZÃO, era ENORME mesmo, coisa nunca vista, ele usava camisinha e tudo, ia lá no fundo, o cara deixava uma lágrima descer pelo rosto, outros choravam copiosamente.

MAIS OU MENOS ASSIM (um pouco mais comprido e mais largo também)

http://uhull.virgula.uol.com.br/wp-content/uploads/2012/06/Proctologista.jpg

A mais feliz era a atendente-enfermeira. Conforme chegava um marido e a esposa algoz, ela ia abrir a porta, que ficava fechada para evitar deserções, acontecia muito, o pessoal tentava escapar da obrigação, era lamentável, homens adultos e tudo sem coragem de enfrentar, triste.

Uma vez veio o homem de mais de cinquenta e o filho, era separado, o homem falava baixinho, “não, meu filho, não” e o filho corajoso de 20 e poucos, “você precisa, papai, é para seu bem”.

Até a enfermeira virou a cara para a parede.

Tinha um homem encolhido, todo virado para a parede, encolhidinho mesmo, fechado em si, tentava se fundir inutilmente contra a parede, a enfermeira guardava a chave no bolso, mas teve um que conseguiu fugir, tinha aprendido no cinema e na internet como usar aqueles instrumentos de abrir fechadura, escapou, o filho da puta, mas a mulher foi pegar, agarrou ele já lá embaixo nervoso tentando abrir a porta do carro, o segurança veio escoltando ele de volta, ela usou a algema para prender ele na cadeira, parece que eram ambos da polícia.

Quanto a mim, já perto dos sessenta, fiquei na minha, não acostumei com o inferno, mas também as chamas já não queimavam tanto quanto antes, eu me fingia de forte, até aprendi a crispar o rosto para não dar o gostinho da lágrima ao doutor, ele ficava rindo, o safado, eu virei o rosto um dia e percebi, daí pra frente fiz treinamento em casa, fechava o rosto, trancava mesmo.

O doutor abriu a porta, o infeliz saiu de lá humilhado, olhei e tive pena, a mulher sorridente “querido, agora é só no ano que vem, é para o seu bem”.

O médico encostou na porta.

MÉDICO (com o dedão ENORME em evidência) – enfermeira, quem é agora?

ENFERMEIRA (exultante) – é o Hermenegildo.

MÉDICO – Gildo, cadê você?

Olhou em volta, não era nenhum dos agachados, tinha uma cadeira vaga, ele olhou para a porta.

MÉDICO – Gildo, pode vir.

GILDO – o Gildo saiu, doutor, ele foi ver a mãe lá em Viana, vai demorar um pouco.

MÉDICO – para com isso, Gildo, eu te conheço até de costas, você sabe, pode vir, está fazendo demorar para os outros.

OS OUTROS (em uníssono) – por isso, não, doutor, pode demorar o tempo que for.

AS MULHERES (cruéis) – êba, isso não, temos mais o que fazer.

MÉDICO (virando para enfermeira) – Nega, vá lá pegar ele (ela era imensa, 2 x 2 x 2), traz no tranco, todo ano é a mesma coisa, Gildo sempre fazendo escândalo.

A mulher do Gildo não tinha onde enfiar a cara.

Serra, quinta-feira, 27 de outubro de 2016.

GAVA.

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