Inferno Dedante
O consultório do
proctologista estava cheio, os homens com os braços apoiados nos joelhos,
cabeças baixas, as mulheres altivas, dedada no olho cego dos outros é
rei-fresco. Inclusive a médica que me atendeu perguntou inocentemente “por que
os homens têm medo disso?”, nem reparei se estava rindo. As mulheres durinhas,
empinadinhas, umas rindo com o canto da boca, outras com os olhos, mirando
diretamente para as outras, quando era o caso; os homens derreados esperavam a
chamada, conforme ia chegando a vez, o da vez oferecia para os demais, a oferta
era gentilmente recusada, aquela coisa da deferência.
O médico, esse tinha
o dedo médio da mão direita DESTAMANZÃO, era ENORME mesmo, coisa nunca vista,
ele usava camisinha e tudo, ia lá no fundo, o cara deixava uma lágrima descer
pelo rosto, outros choravam copiosamente.
MAIS
OU MENOS ASSIM
(um pouco mais comprido e mais largo também)
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A mais feliz era a
atendente-enfermeira. Conforme chegava um marido e a esposa algoz, ela ia abrir
a porta, que ficava fechada para evitar deserções, acontecia muito, o pessoal
tentava escapar da obrigação, era lamentável, homens adultos e tudo sem coragem
de enfrentar, triste.
Uma vez veio o homem
de mais de cinquenta e o filho, era separado, o homem falava baixinho, “não,
meu filho, não” e o filho corajoso de 20 e poucos, “você precisa, papai, é para
seu bem”.
Até a enfermeira
virou a cara para a parede.
Tinha um homem
encolhido, todo virado para a parede, encolhidinho mesmo, fechado em si,
tentava se fundir inutilmente contra a parede, a enfermeira guardava a chave no
bolso, mas teve um que conseguiu fugir, tinha aprendido no cinema e na internet
como usar aqueles instrumentos de abrir fechadura, escapou, o filho da puta,
mas a mulher foi pegar, agarrou ele já lá embaixo nervoso tentando abrir a
porta do carro, o segurança veio escoltando ele de volta, ela usou a algema
para prender ele na cadeira, parece que eram ambos da polícia.
Quanto a mim, já
perto dos sessenta, fiquei na minha, não acostumei com o inferno, mas também as
chamas já não queimavam tanto quanto antes, eu me fingia de forte, até aprendi
a crispar o rosto para não dar o gostinho da lágrima ao doutor, ele ficava
rindo, o safado, eu virei o rosto um dia e percebi, daí pra frente fiz
treinamento em casa, fechava o rosto, trancava mesmo.
O doutor abriu a
porta, o infeliz saiu de lá humilhado, olhei e tive pena, a mulher sorridente
“querido, agora é só no ano que vem, é para o seu bem”.
O médico encostou na
porta.
MÉDICO (com o dedão
ENORME em evidência) – enfermeira, quem é agora?
ENFERMEIRA
(exultante) – é o Hermenegildo.
MÉDICO – Gildo, cadê
você?
Olhou em volta, não
era nenhum dos agachados, tinha uma cadeira vaga, ele olhou para a porta.
MÉDICO – Gildo, pode
vir.
GILDO – o Gildo saiu,
doutor, ele foi ver a mãe lá em Viana, vai demorar um pouco.
MÉDICO – para com
isso, Gildo, eu te conheço até de costas, você sabe, pode vir, está fazendo
demorar para os outros.
OS OUTROS (em
uníssono) – por isso, não, doutor, pode demorar o tempo que for.
AS MULHERES (cruéis)
– êba, isso não, temos mais o que fazer.
MÉDICO (virando para
enfermeira) – Nega, vá lá pegar ele (ela era imensa, 2 x 2 x 2), traz no
tranco, todo ano é a mesma coisa, Gildo sempre fazendo escândalo.
A mulher do Gildo não
tinha onde enfiar a cara.
Serra, quinta-feira, 27 de outubro de 2016.
GAVA.
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