sábado, 29 de outubro de 2016


Os Deuses Devem Estar Loucos

 

Naturalmente, tratando-se de deuses tudo era divino.

Por assim dizer parecia-se com computador, mas, só para começar, funcionava, não tinha vírus, não travava, não dava pau, não vinha programa que você não queria, não tinha Edge nem W10, coisa de doido! Você pedia e tam, fração de segundo já tinha caído. Automaticamente um programa parecido com o CCleaner (este já é gratuito e maravilhoso, imagine aquele), que já ia limpando e desfragmentando, tirava os arquivos duplos, mas só os desnecessários, não deixava entrar o Baidu chinês nojento, o 123 mais nojento ainda, evitava o vírus how_recover, era bom mesmo, Nossa Senhora.

Enfim, não tinha nada daquelas coisas escrotas que vimos experimentando há 20 anos, infelizmente não me deixaram experimentar, só ouvi explicações.

Para você ter ideia, a Internet Celestial não ficava naquilo de “esta página não pode ser exibida” e a velocidade da luz era a da luz no vácuo, não faziam questão oferecer um milésimo ou um milionésimo ou um bilionésimo dela como se fosse vitória universal, como no Espírito Santo, aquela era uma beleza.

Ai, ai, fico sonhando.

E a pessoa ficava no ar, numa poltrona virtual que inclinava para trás e para frente, para os lados, baixava e levantava, tinha lugar para copo que não atrapalhava e não derramava, tinha uma plataforma dianteira para o teclado, se bem que nem precisava, ele era virtual também, tocava-se no ar.

Nem vou continuar para não dar água na boca.

E ali ficavam os deuses trabalhando, instalando doenças nas pessoas.

UMDEUS – e aí, Rabicó? (Era um espírito de porco, tinha mesmo um rabinho atrás).

RABICÓ – tô bem, e você, Uar? (Não era war, guerra em inglês, sei lá como é o sistema de apelidos dos deuses, caramba! Vá perguntar a outro).

UAR – legal, tô passeando para distrair. Que cê tá fazendo?

RABICÓ – peguei um cara, senta aí pra ver. Tem quatro anos que tô só com ele.

UAR – mas não é proibido? Você vai ser castigado, não pode ter preferência, sem fixação, tá lembrado?

RABICÓ – deixando de saber. Primeiro foi a glicose que não baixava, estava bem, fiz ele entrar numa série de remédios caros que não funcionavam, ficou em 200 a 300 um tempão. Sem falar que nos supermercados quando oferecem leite sem lactose, colocam açúcar, com letrinhas miudíssimas falando disso. Cara, é gratificante.

UAR (doidinho pra sair e ir contar para o gerente) – rapaz, só você mesmo.

RABICÓ – depois coloquei pra rebentar no cólon ascendente, cólon transverso, cólon descendente, dor de cabeça, refluxo (infelizmente o corno parou de beber, era muito mais divertido, todo dia tinha, uma beleza!). E o idiota fazendo regime, tomava os remédios certos, deixou de tomar, voltou a tomar. Leu uns livros aí, Barriga de Tribo, de William Davis, Superimunidade, de Joel Fuhrman, e está lendo os livros de David Perlmutter, puta que os pariu.

UAR – de fato, parece que está ajudando, tiraram vários clientes meus, acho até que vou ler.

RABICÓ – estou super-revoltado. Enfim, teve uma muito engraçada, ele comeu uma bacia de mexericas, deu enorme dor no peito, ele achou que era infarto, foi ao hospital, a médica jovem queria “abrir”, era somente açúcar no intestino, prejudiquei a flora e a fauna bacteriana, não é que o sacana conseguiu raciocinar? Ri muito da mediquinha dizendo “vamos abrir o senhor”, igual uma melancia ou um pimentão, muito hilário.

UAR – não acredito!

RABICÓ (arregalando os olhos para a incredulidade do outro) – não estou te dizendo!

UAR (mais uma para os ouvidos da gerência) – rapaz, você é o maioral (essa teria repercussão, denúncia anônima, não iria poder ficar com o mérito, fazer o quê?).

RABICÓ – quatro anos, mais, na realidade, tou cansado, tou no meu limite, foi mais, mas não vou dizer, tô nem aí se vou ser castigado, foi bom demais. Diliça!

UAR – rapaz, não queria estar na sua pele.

RABICÓ (virando-se e prestando atenção) – você não vai me dedar, né?

UAR (olhando firme nos olhos do outro, sendo super-falso) – de jeito nenhum! Aqui você tem verdadeiro amigo (Estava se coçando para ir logo entregar, chegava a dar tremedeira nas pernas, mas tinha de aguentar, os joelhos estavam bambos).

Serra, domingo, 17 de janeiro de 2016.

GAVA.

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