New Cemetery
Visando incrementar o
comércio de túmulos, os novos além-empresários ofereceram vários serviços e
novas configurações arquitetônicas.
Por exemplo, se fosse
gente virada para a macumba, a umbanda, a quimbanda e adjacências, não podia
fazer de dia, porque nem todo mundo tolerava, mas de noite, assim na calada, lá
estavam eles com um ponto mais maneiro, um jeito só seu de encomendar o defunto
aos campos do Paraíso africano.
Se fosse descendente
de índios colado às raízes, oferecia-se cauim, fermentação da mandioca ou do
milho, tinha até a Tiquira, preparada pelos índios maranhenses, 36 a 54 ° GL
(Gay-Lussac), só macho pra aguentar. Tinha pajelança, tinha Quarup, tinha Toré,
tinha de tudo.
Ofereciam uma espécie
de teatro de arena com o morto no centro, arquibancadas em volta, porque a
família, naquele instante de loucura emotiva achava que o morto ia ser muito
visitado – que nada! Olhe lá se algum filho querendo agradecer a fortuna
deixada, vinha dar um alô, o mais das vezes vinham as filhas mais emotivas,
alguma só que vinha, chorava, ah, papai, sinto tanta saudade, essas coisas
bobocas de moça. Alguma mulher mais maldosa trazia o Ricardão (aquele que
agradava as crianças, comprava joia com o dinheiro do morto para a esposa) ou o
Robertão (impiedoso, dava croque nas crianças, exigia geladeira cheia de
cerveja, pedia um troco para ir beber com os amigos). O amigo saudosista: poxa,
fulano, sinto falta de você, quando você tava aqui o chefe não pegava tanto no
meu pé, eu desviava o máximo para você.
E agora, com as
copiadoras 3D (e até 4D, 3D com tempo, bonecos móveis), havia umas estátuas bem
realistas mesmo, até uns cineastas pobres daí, da Riowood, pegaram para fazer
ator coadjuvante no escuro, sabe que era até convincente? E deram de fazer
baixo e alto relevo com a história de vida do fulano, uma parede inteira com
várias linhas, não podiam contar tudo, contavam umas partes com figuras
pequenininhas, era uma chatice ficar seguindo aquela merda, mas quando faltava
notícia nos jornais e revistas era batata, lá vinham eles, veja, na época
certa.
De certo modo o NC
tornou-se folclórico, coisa popular, o povo vinha para se divertir, deitar na
grama, fazer piquenique, os parentes não proibiram porque os mortos pelo menos
tinham visitantes. Uns traziam TV e farofa, outros brincavam de pique-esconde,
outros jogavam peteca, era a democratização da morte – fazia todo sentido, o
povo morria o tempo todo, quanto mais acostumasse, melhor.
A Prefeitura encampou
a ideia, meio que tornou de interesse público, embora deixasse a firma
explorar, porque construía novos túmulos com todo aquele acréscimo lúdico. Os
cantores e compositores colocaram palco, fizeram literalmente a festa,
tornou-se sucesso mesmo, em todas as cidades começaram a imitar, veja só como
Vitória pode sair na frente.
E alguns familiares,
que poderiam se sentir constrangidos em ir de dia e sozinhos, passaram a poder
frequentar os túmulos sem serem notados.
Serra, sábado, 16 de
janeiro de 2016.
GAVA.
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