sábado, 29 de outubro de 2016


New Cemetery

 

Visando incrementar o comércio de túmulos, os novos além-empresários ofereceram vários serviços e novas configurações arquitetônicas.

Por exemplo, se fosse gente virada para a macumba, a umbanda, a quimbanda e adjacências, não podia fazer de dia, porque nem todo mundo tolerava, mas de noite, assim na calada, lá estavam eles com um ponto mais maneiro, um jeito só seu de encomendar o defunto aos campos do Paraíso africano.

Se fosse descendente de índios colado às raízes, oferecia-se cauim, fermentação da mandioca ou do milho, tinha até a Tiquira, preparada pelos índios maranhenses, 36 a 54 ° GL (Gay-Lussac), só macho pra aguentar. Tinha pajelança, tinha Quarup, tinha Toré, tinha de tudo.

Ofereciam uma espécie de teatro de arena com o morto no centro, arquibancadas em volta, porque a família, naquele instante de loucura emotiva achava que o morto ia ser muito visitado – que nada! Olhe lá se algum filho querendo agradecer a fortuna deixada, vinha dar um alô, o mais das vezes vinham as filhas mais emotivas, alguma só que vinha, chorava, ah, papai, sinto tanta saudade, essas coisas bobocas de moça. Alguma mulher mais maldosa trazia o Ricardão (aquele que agradava as crianças, comprava joia com o dinheiro do morto para a esposa) ou o Robertão (impiedoso, dava croque nas crianças, exigia geladeira cheia de cerveja, pedia um troco para ir beber com os amigos). O amigo saudosista: poxa, fulano, sinto falta de você, quando você tava aqui o chefe não pegava tanto no meu pé, eu desviava o máximo para você.

E agora, com as copiadoras 3D (e até 4D, 3D com tempo, bonecos móveis), havia umas estátuas bem realistas mesmo, até uns cineastas pobres daí, da Riowood, pegaram para fazer ator coadjuvante no escuro, sabe que era até convincente? E deram de fazer baixo e alto relevo com a história de vida do fulano, uma parede inteira com várias linhas, não podiam contar tudo, contavam umas partes com figuras pequenininhas, era uma chatice ficar seguindo aquela merda, mas quando faltava notícia nos jornais e revistas era batata, lá vinham eles, veja, na época certa.

De certo modo o NC tornou-se folclórico, coisa popular, o povo vinha para se divertir, deitar na grama, fazer piquenique, os parentes não proibiram porque os mortos pelo menos tinham visitantes. Uns traziam TV e farofa, outros brincavam de pique-esconde, outros jogavam peteca, era a democratização da morte – fazia todo sentido, o povo morria o tempo todo, quanto mais acostumasse, melhor.

A Prefeitura encampou a ideia, meio que tornou de interesse público, embora deixasse a firma explorar, porque construía novos túmulos com todo aquele acréscimo lúdico. Os cantores e compositores colocaram palco, fizeram literalmente a festa, tornou-se sucesso mesmo, em todas as cidades começaram a imitar, veja só como Vitória pode sair na frente.

E alguns familiares, que poderiam se sentir constrangidos em ir de dia e sozinhos, passaram a poder frequentar os túmulos sem serem notados.

Serra, sábado, 16 de janeiro de 2016.

GAVA.

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