sexta-feira, 28 de outubro de 2016


Instrumentos

 

Morávamos neste grotão filho da puta, acho que derredor até o próximo vizinho tinha uns 60 km, estou exagerando, uns 25, acho, nunca medi. Nessa época eu tinha uns 10 anos, ele 45, ela 38 (mais tarde fui apurar essa precisão, quando crianças a gente só vê que é velho), possuíamos uma caminhonete de uns 12 anos de uso, comprada antes de eu nascer, nascemos aqui eu e minhas duas irmãs mais novas. Tínhamos um trator que ele consertava, ela fazia todo tipo de compota e enlatado, embutidos e temperos, ele ajudava, ela ajudava.

Iam passear de bicicleta.

Um dia voltaram diferentes, conto porque já tinha idade para reparar, fui anotando, disseram que tinham “visto uma luz”.

Foram para a oficina e começaram a desenhar nos notebooks, que idiotas eles não eram, eram formados, superdotados, fizeram cursos, decidiram e foram para a roça. Cortaram e soldaram, compraram circuitos, foram fazendo máquinas e aparelhos, computadores diferentes e programas diversos.

Dos desenhos passaram a construir os instrumentos, primeiro foi um EXTRATOR, colocaram sobre a terra, ele começou a lançar pequenos pseudópodos que foram engrossando, desciam, crescia um tronco, vinham galhos e ramos, na ponta folhas de metal lá no meio da mata fechada, quando precisavam iam colher de toda cor, inclusive as amarelas, de ouro, que fundiam em pepitas e iam vender muito longe, cada vez num lugar diferente, quando fiz 12, papai passou a me levar.

As árvores iam se espalhando por conta própria, tomando a floresta espaçadamente, tornaram-se muitas, não muito altas para facilitar a colheita inicial, mais altas depois, se tornaram milhares, misturadas na floresta virgem.

Depois foi a vez do robô de coleta.

Em seguida à primeira metalárvore (árvore de metal) foi a vez do FAREJADOR DE ÁGUA, FAREJÁGUA, descia às profundezas, trazia o líquido precioso, estocava em enormes recipientes que ela mesma ia moldando nos vales, o robô de plantio plantava grama e flores por cima, era resistente, eu pulava em cima.

Mineração de ar era local, o ar vai aonde estamos. Energia foi a profunda, de gradientes de temperatura das fontes termais.

Logo em seguida vieram os MENTEPLICADORES, multiplicadores mentais, arquiengenharia cerebral, primeiro para eles, depois para nós, ficou tudo claríssimo, altamente inteligível a partir dos 13 anos, as meninas tiveram que esperar, eles não queriam subtrair a infância delas. Puxa! Que clareza! Eu compreendia tudo, colocamos uma banda larguíssima de 100 gigas, liámos tudo que podíamos, com sistema fomos absorvendo, muito raramente vinha gente visitar, éramos os roceiros de sempre, as pessoas não queriam ficar muito tempo no desconforto.

Inventamos e registramos um punhado de coisas, você nem acreditaria. Colocamos identidades inventadas, inventamos contas de depósito, o dinheiro foi pingando na caixa, virou uma enxurrada.

Nisso atingi os 25, fui à cidade com o aparelhinho que escolheu minha esposa, somos felizes, papai agora tem 60, mamãe 53, nem parece, ficaram parados nas idades que tinham, minhas irmãs têm 18 e 20, a máquina escolheu os maridos, são perfeitamente felizes.

Estamos construindo a nave interestelar debaixo do solo, na realidade só começamos, ela vai por si, é muito diferente do que as pessoas imaginariam, vamos visitar os parentes lá fora.

As pessoas são tão esquisitas.

Vemos os filmes, que bobagem.

Sendo difícil mover massa de um quilograma, por que as naves seriam tão massivas? Sendo as velocidades tão imensas e os tempos humanos de reação tão lerdos, para que aquele monte de botões? E mais muita coisa.

Quando sairmos daqui o sistema se cancelará, voltará a parecer o mundo pré-luz, as pessoas pensarão que fomos mortos por bandidos.

Se você achar esta mensagem, mesmo que não acredite fique por aqui, se for tocado pela luz acabará se juntando a nós.

Serra, sábado, 13 de fevereiro de 2016.

GAVA.

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