Instrumentos
Morávamos neste grotão filho da puta, acho
que derredor até o próximo vizinho tinha uns 60 km, estou exagerando, uns 25,
acho, nunca medi. Nessa época eu tinha uns 10 anos, ele 45, ela 38 (mais tarde
fui apurar essa precisão, quando crianças a gente só vê que é velho),
possuíamos uma caminhonete de uns 12 anos de uso, comprada antes de eu nascer,
nascemos aqui eu e minhas duas irmãs mais novas. Tínhamos um trator que ele
consertava, ela fazia todo tipo de compota e enlatado, embutidos e temperos,
ele ajudava, ela ajudava.
Iam passear de bicicleta.
Um dia voltaram diferentes, conto porque já
tinha idade para reparar, fui anotando, disseram que tinham “visto uma luz”.
Foram para a oficina e começaram a desenhar
nos notebooks, que idiotas eles não eram, eram formados, superdotados, fizeram
cursos, decidiram e foram para a roça. Cortaram e soldaram, compraram
circuitos, foram fazendo máquinas e aparelhos, computadores diferentes e
programas diversos.
Dos desenhos passaram a construir os
instrumentos, primeiro foi um EXTRATOR, colocaram sobre a terra, ele começou a
lançar pequenos pseudópodos que foram engrossando, desciam, crescia um tronco,
vinham galhos e ramos, na ponta folhas de metal lá no meio da mata fechada,
quando precisavam iam colher de toda cor, inclusive as amarelas, de ouro, que
fundiam em pepitas e iam vender muito longe, cada vez num lugar diferente,
quando fiz 12, papai passou a me levar.
As árvores iam se espalhando por conta
própria, tomando a floresta espaçadamente, tornaram-se muitas, não muito altas
para facilitar a colheita inicial, mais altas depois, se tornaram milhares,
misturadas na floresta virgem.
Depois foi a vez do robô de coleta.
Em seguida à primeira metalárvore (árvore de
metal) foi a vez do FAREJADOR DE ÁGUA, FAREJÁGUA, descia às profundezas, trazia
o líquido precioso, estocava em enormes recipientes que ela mesma ia moldando
nos vales, o robô de plantio plantava grama e flores por cima, era resistente,
eu pulava em cima.
Mineração de ar era local, o ar vai aonde
estamos. Energia foi a profunda, de gradientes de temperatura das fontes
termais.
Logo em seguida vieram os MENTEPLICADORES,
multiplicadores mentais, arquiengenharia cerebral, primeiro para eles, depois
para nós, ficou tudo claríssimo, altamente inteligível a partir dos 13 anos, as
meninas tiveram que esperar, eles não queriam subtrair a infância delas. Puxa!
Que clareza! Eu compreendia tudo, colocamos uma banda larguíssima de 100 gigas,
liámos tudo que podíamos, com sistema fomos absorvendo, muito raramente vinha
gente visitar, éramos os roceiros de sempre, as pessoas não queriam ficar muito
tempo no desconforto.
Inventamos e registramos um punhado de
coisas, você nem acreditaria. Colocamos identidades inventadas, inventamos
contas de depósito, o dinheiro foi pingando na caixa, virou uma enxurrada.
Nisso atingi os 25, fui à cidade com o
aparelhinho que escolheu minha esposa, somos felizes, papai agora tem 60, mamãe
53, nem parece, ficaram parados nas idades que tinham, minhas irmãs têm 18 e
20, a máquina escolheu os maridos, são perfeitamente felizes.
Estamos construindo a nave interestelar
debaixo do solo, na realidade só começamos, ela vai por si, é muito diferente
do que as pessoas imaginariam, vamos visitar os parentes lá fora.
As pessoas são tão esquisitas.
Vemos os filmes, que bobagem.
Sendo difícil mover massa de um quilograma,
por que as naves seriam tão massivas? Sendo as velocidades tão imensas e os
tempos humanos de reação tão lerdos, para que aquele monte de botões? E mais
muita coisa.
Quando sairmos daqui o sistema se cancelará,
voltará a parecer o mundo pré-luz, as pessoas pensarão que fomos mortos por
bandidos.
Se você achar esta mensagem, mesmo que não
acredite fique por aqui, se for tocado pela luz acabará se juntando a nós.
Serra, sábado, 13 de fevereiro de 2016.
GAVA.
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