segunda-feira, 31 de outubro de 2016


Quando, Depois do Fim, Tudo Continuou

 

De um lado, no Natal de 1991 Bush Sênior, Frankenstein pai proferiu o discurso sobre o fim da URSS, do outro lado Gorbatchov fez a mesma coisa. Bush atribuiu ao capitalismo a vitória na Guerra Fria, Gorbatchov ficou calado sobre ter minado de dentro, ainda estava lá, alguém poderia revidar.

QUEDA

OESTE, OCIDENTE
LESTE, ORIENTE
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Bush de fora.
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Gorbatchov de dentro.

As câmeras não mostraram a cena na Praça do Kremlin, onde uma multidão fazia fila no frio terrível de Moscou para visitar o Túmulo de Lênin, todo mundo com aqueles casacões russos, com aquele gorro de pele de lontra ou o que seja, com os rabinhos ainda, pobres criaturinhas, vítimas dos costumes.

ALGUÉM (chegando esbaforido) – a União Soviética caiu.

VÁRIOS (esticando as orelhas, notícia tão terrível dessas) – o quê, o quê?

ALGUÉM (tomando fôlego, gritando para os outros) – o camarada Gorbatchov anunciou na TV, vi e ouvi, a URSS acabou mesmo, terminou, findou, já era.

A turba ficou agitada, alguns não se aguentaram, deram gritinhos histéricos, eram mulheres, certamente, não existe isso de fror na ex-URSS.

OUTRO – se a URSS acabou então não é mais “camarada”, né? É só Gorbatchov.

MAIS OUTRO – lá isso é.

A fila foi se desfazendo, deixou de ser indiana para se tornar brasileira, formava uns bolos aqui e acolá, um bafafá danado.

Uns viraram de costas, levantaram os casacões, baixaram as calças, depois agitaram umas bandeirolas de algum país ex-soviético, da Letônia, da Ucrânia, da Bielo-Rússia ou Rússia-Branca, do Azerbaijão, da Estônia, de vários mesmo, eram mais de 15 repúblicas, 120 grupos étnicos.

LETÃO – viva a Letônia.

MOLDAVO – viva a Moldávia.

Quanto mais agitavam as bandeiras, mais fedia.

UM (apertando o nariz com o indicador e o polegar) – que fedor é esse?

Ia se formando carnaval espontâneo, um brasileiro do intercâmbio instalou a barraquinha de churrasquinho de gato, outro colocou a pipoqueira, mais um a barraca do cachorro quente, um quarto apareceu com o isopor de cerveja em lata, um americano oferecia ações, a coisa ia esquentando.

OUTRO UM – e a KGB, acabou também?

PUTIN – não existe isso de ex-KGB.

Uma ex-camarada toda encasacada tirou o capote e ficou de biquíni, o povo se aproximou para confraternizar, alguém pegou para dançar e, se pudesse, apalpar, ela deu um tapa e se afastou para ser fotografada.

O pessoal que já tinha comprado estatuetas de Lênin jogou para cima, umas caíam na pedra e espatifavam, outras na neve, não quebravam, o pessoal pegava de novo para jogar para cima, tudo era festa.

O pessoal do Pravda, desconfiado desses repentes, pensando ser golpe do partido para fuzilar um punhado, caritativamente procurava juntar o povo na fila de novo, mas ninguém dava bola.

O DIABO VESTIA PRAVDA – viva Stálin, viva Lênin, vida Brejnev, vida longa a Kruschev, viva Gorbatchov.

Ninguém estava prestando atenção, a praça pegava fogo, parecia carnaval da Bahia, um grupo de baianos revolucionários pegou no reco-reco, no pandeiro, no triângulo, nos tambores e começou um samba descolado. Tiravam foto do momento histórico.

Serra, domingo, 17 de janeiro de 2016.

GAVA.

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