sábado, 29 de outubro de 2016


Os Homens se Reúnem à Procura de Guia

 

Dava dó ver aqueles caras levando as coisicas de nada, cachorros que, como disse meu filho, não fuçam, não cheiram o chão, não são caçadores, só servem de campainha biológica (não é companhia, não, é campainha mesmo, campainha viva, au-au-zinho). O homem e seu cachorro, aquela coisa verdadeira de antigamente, au-au-zinho.

Dava pena, ai, ai, era triste, aqueles homens barbados, porque, meu, todo mundo sabia, homem com cãozinho é mandado pela mulher: “vai lá, meu filho, estou ocupada, dá uma voltinha com Bilbao” (era o cachorrinho, o titiquinha, ela tinha pegado na Internet, nem tinha ido mesmo à Espanha).

Ele ia, o idiota.

Os homens mesmo olhavam e balançavam a cabeça, caso perdido, nem vale a pena querer ajudar, tava fudido mesmo. Fechavam os olhos, empinavam a boca para cima em comiseração, balançavam a cabeça na horizontal em sentido de negação, “meu Deus, os homens de antigamente”, “papai me avisou que havia gente desse tipo, para eu não jogar, obedeço até hoje, e ficar longe”.

Lá iam aqueles, digamos, homens, se reunir na loja que vendia guias, guiinhas, digamos assim, umas coisinhas destamaninho.

VENDEDOR – o senhor pode levar este.

COMPRADOR (cantando, em vez de prestar atenção, era sensível) – “todo amor é fogo, é brasa, da boca do dragão”. Sim?

VENDEDOR (achando que não iria ser um dia bom) – a guia que o senhor veio comprar.

COMPRADOR – olhe só, não tem menor?

VENDEDOR (impaciente) – tem, claro, essa aqui não vai até o chão.

COMPRADOR (querendo parecer macho) – de fato, não é para dar folga, não é para ir até o chão.

COMPRADOR II (se metendo onde não foi chamado, ainda por cima querendo dar conselho numa questão tão sutil e exigente quanto esta) – ele quer aquela curtinha, não é?

COMPRADOR (vendo que tinha sido entendido, todo feliz) – sim, essa mesmo, nada de dar folga (piscou para o outro, que rejeitou a cumplicidade, “essa gente enfraquece”).

VENDEDOR – certo, tem as curtinhas, a de braço reto, bem curtinha, mantém o boboquinha suspenso, e tem a mais compridinha, que o senhor dobra o braço em L e se o bostinha quiser mijar o senhor solta, para pular poça é muito bom.

COMPRADOR III (hoje está mesmo cheio de engraçadinhos, outra sensível cantando Cor do Som, “gente bonita, tá me vindo a tentação”, Deus fica testando a nossa força) – prazer, Maurício (ninguém pegou a mão estendida em virtude da entonação). É judiação deixar eles, tão gracinhas, tão pequenininhos se sujarem nas porcarias do chão, as cidades estão nooojeeentas e cheias de buracos. Vai passar na pocinha, puxa.

COMPRADOR – vou querer a natural, a curtinha. Tem daquelas de dar corda, de soltar um pouco quanto o naniquinho quiser mijar ou cagar? (Eles falavam palavrões e palavras chulas para compensar a submissão às mulheres).

VENDEDOR (enfim ajudando um pouco, “Nossa Senhora, que emprego eu fui arranjar, a gente faz de tudo para a família sobreviver, tenho de levar o uísque das crianças”) – tem, tem de todo tipo. O do senhor é de que tipo?

COMPRADOR – pinscher zero.

COMPRADOR III – ah! Que lindinho, que fofura!

COMPRADOR (fingindo que não tinha escutado, falando baixinho, todo acabrunhado) – sete.

VENDEDOR (gritando, aproveitando a oportunidade de cutucar nos rins) – a sua tem SETE pinscher zero?

COMPRADOR (triste, cabeça baixa, o retrato da rendição) – sete.

COMPRADOR IV – sete??? E eu que pensei que era sofredor, parabéns, meu amigo, por aguentar esta, vou falar pra rapaziada, eles vão querer te conhecer.

COMPRADOR – gozação, não, tá? Não tô no clima.

COMPRADOR IV (virando a cara para ele não ver que estava rindo para dentro) – desculpe.

COMPRADOR (enfurecido) – vê 21, um tipo para cada uma daquelas coisinhas miúdas, acho que vou divorciar.

Serra, sábado, 29 de outubro de 2016.

GAVA.

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