Os
Homens se Reúnem à Procura de Guia
Dava dó ver aqueles caras levando as coisicas
de nada, cachorros que, como disse meu filho, não fuçam, não cheiram o chão,
não são caçadores, só servem de campainha biológica (não é companhia, não, é
campainha mesmo, campainha viva, au-au-zinho). O homem e seu cachorro, aquela
coisa verdadeira de antigamente, au-au-zinho.
Dava pena, ai, ai, era triste, aqueles homens
barbados, porque, meu, todo mundo sabia, homem com cãozinho é mandado pela
mulher: “vai lá, meu filho, estou ocupada, dá uma voltinha com Bilbao” (era o
cachorrinho, o titiquinha, ela tinha pegado na Internet, nem tinha ido mesmo à
Espanha).
Ele ia, o idiota.
Os homens mesmo olhavam e balançavam a
cabeça, caso perdido, nem vale a pena querer ajudar, tava fudido mesmo.
Fechavam os olhos, empinavam a boca para cima em comiseração, balançavam a
cabeça na horizontal em sentido de negação, “meu Deus, os homens de
antigamente”, “papai me avisou que havia gente desse tipo, para eu não jogar,
obedeço até hoje, e ficar longe”.
Lá iam aqueles, digamos, homens, se reunir na
loja que vendia guias, guiinhas, digamos assim, umas coisinhas destamaninho.
VENDEDOR – o senhor pode levar este.
COMPRADOR (cantando, em vez de prestar
atenção, era sensível) – “todo amor é fogo, é brasa, da boca do dragão”. Sim?
VENDEDOR (achando que não iria ser um dia
bom) – a guia que o senhor veio comprar.
COMPRADOR – olhe só, não tem menor?
VENDEDOR (impaciente) – tem, claro, essa aqui
não vai até o chão.
COMPRADOR (querendo parecer macho) – de fato,
não é para dar folga, não é para ir até o chão.
COMPRADOR II (se metendo onde não foi
chamado, ainda por cima querendo dar conselho numa questão tão sutil e exigente
quanto esta) – ele quer aquela curtinha, não é?
COMPRADOR (vendo que tinha sido entendido,
todo feliz) – sim, essa mesmo, nada de dar folga (piscou para o outro, que
rejeitou a cumplicidade, “essa gente enfraquece”).
VENDEDOR – certo, tem as curtinhas, a de
braço reto, bem curtinha, mantém o boboquinha suspenso, e tem a mais
compridinha, que o senhor dobra o braço em L e se o bostinha quiser mijar o
senhor solta, para pular poça é muito bom.
COMPRADOR III (hoje está mesmo cheio de
engraçadinhos, outra sensível cantando Cor do Som, “gente bonita, tá me
vindo a tentação”, Deus fica testando a nossa força) – prazer, Maurício
(ninguém pegou a mão estendida em virtude da entonação). É judiação deixar
eles, tão gracinhas, tão pequenininhos se sujarem nas porcarias do chão, as
cidades estão nooojeeentas e cheias de buracos. Vai passar na pocinha, puxa.
COMPRADOR – vou querer a natural, a curtinha.
Tem daquelas de dar corda, de soltar um pouco quanto o naniquinho quiser mijar
ou cagar? (Eles falavam palavrões e palavras chulas para compensar a submissão
às mulheres).
VENDEDOR (enfim ajudando um pouco, “Nossa
Senhora, que emprego eu fui arranjar, a gente faz de tudo para a família sobreviver,
tenho de levar o uísque das crianças”) – tem, tem de todo tipo. O do senhor é
de que tipo?
COMPRADOR – pinscher zero.
COMPRADOR III – ah! Que lindinho, que fofura!
COMPRADOR (fingindo que não tinha escutado,
falando baixinho, todo acabrunhado) – sete.
VENDEDOR (gritando, aproveitando a
oportunidade de cutucar nos rins) – a sua tem SETE pinscher zero?
COMPRADOR (triste, cabeça baixa, o retrato da
rendição) – sete.
COMPRADOR IV – sete??? E eu que pensei que
era sofredor, parabéns, meu amigo, por aguentar esta, vou falar pra rapaziada,
eles vão querer te conhecer.
COMPRADOR – gozação, não, tá? Não tô no
clima.
COMPRADOR IV (virando a cara para ele não ver
que estava rindo para dentro) – desculpe.
COMPRADOR (enfurecido) – vê 21, um tipo para
cada uma daquelas coisinhas miúdas, acho que vou divorciar.
Serra, sábado, 29 de outubro de 2016.
GAVA.
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