terça-feira, 20 de junho de 2017


Aquele Dia no Pé do Morro


 

                            Depois da migração daquele contingente imenso por terra e por mar, a cavalo, com camelos, com elefantes, de barco, com auxílio de todo tipo de animal e máquina de transporte o Consórcio finalmente chegou à Cidade Celestial e acampou ao pé dela, em volta do monte Adão, no sopé do morro central na planície. O espetáculo era bonito de se ver em sua trágica dimensão, preparação do fim: infindáveis companhias e tropas, desproporcionais às forças internas, estavam espalhadas naquele campo de aluvião que foi se formando ao longo de dois mil anos.

                            Era difícil de contar, mais de um milhão de indivíduos ataviados, vestidos com armaduras brilhantes que foram preparadas por anos, décadas e até séculos, para os atlantes de vida longa. E eram armaduras vindas de todos os cantos da Terra, inclusive da China, para onde tinham sido desterrados os aliados dos Puros depois da Guerra do Alcance em 2,45 mil a.C. Uma parafernália espantosa em cor e diversidade, realmente o maior espetáculo da Terra em todos os tempos, porque os contingentes contemporâneos, embora maiores, não se reuniram nunca num lugar só nem para exibição, nem fazem questão as tropas atuais de se colorirem, pelo contrário, querem passar despercebidas, disfarçam-se. Naqueles tempos as armaduras eram como declarações de existência, como o carro de hoje, só que conferindo status maior, porque eles viviam num mundo muito mais pobre. Iam viver e morrer com a vestimenta, razão pela qual cuidavam dela com desvelo e carinho e cada rei, julgando-se especial servo do Senhor (de Adão e de Deus) numa missão de reeducação dos Impuros fazia de tudo para dotar seus comandados das mais brilhantes armaduras de ouro, de prata, de platina, de ligas variadas, com pedras preciosas, com desenhos espantosos – nunca, nem antes nem depois, se viu algo nem parecido. E os de dentro, então, que dispunham de máquinas que os de fora não tinham podido levar e de conhecimentos que só operavam através delas, faziam mais e melhor, se esmeravam incomparavelmente mais. Foi não apenas uma disputa de audácias guerreiras como de orgulhos formais, expressos por imagens incomparáveis. Nem de longe os que vieram depois fizeram algo de parecido. Nem de longe. A Montanha Iluminada brilhava e a planície mais ainda. Foi o dia mais belo de toda aquela guerra e talvez o único. Todo aquele lugar em volta de Uruk resplandecia formidavelmente.

                            Nem parecia guerra e sim um desfile de gala.

                            Mas os resultados para o mundo não foram nada bonitos.

                            Vitória, terça-feira, 18 de maio de 2004.

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