Indolência Tropical
O livro de
Boaventura de Souza Santos, creio que filósofo português, A Crítica da Razão Indolente (contra o desperdício da experiência), Para um Novo Senso Comum (A ciência, o
direito e a política na transição paradigmática), São Paulo, Cortez, 2000,
soou-me desde o início extraordinário.
Sem ter lido senão
umas passagens, quis identificar a RAZÃO INDOLETE com a RAZÃO TROPICAL, Aliás,
sentimentos indolentes, razões indolentes, perspectivas indolentes, percepções
indolentes de mundo, indolência geral que leva a essa perda contínua de nossas
experiências de Conhecimento (indolências mágicas/artísticas, indolências
teológicas/religiosas, indolências filosóficas/ideológicas, indolências
científicas/técnicas e indolências matemáticas), em particular experiências
Psicológicas (indolências das figuras ou psicanálises, indolências dos
objetivos ou psico-sínteses, indolências das produções ou das economias,
indolências das organizações ou das sociologias, indolências dos espaçotempos
ou das geo-histórias) indolentes, ou, dizendo de outro modo, perdas tremendas
nas ECONOMIAS (perdas agropecuárias/extrativistas, perdas industriais, perdas
comerciais, perdas de serviços e perdas bancárias). Desperdícios, esbanjamentos
– tudo isso que é fenômeno bem conhecido que vem dos “de cima” não terem
consideração bastante e não temerem os “de baixo”. Nenhuma revolução
apreciável, nenhuma ameaça substancial ao domínio dos dominantes acaba sempre
por levar a essa tranqüilidade da superextração e do desperdício. Resulta que
há sobretrabalho uterino, com muitas crianças mortas nos primeiros anos de vida
(poderiam ser produzidas em menor número, com taxas maiores de sobrevivência),
há sobretrabalho da Chave do Labor (de operários, de intelectuais, de
financistas, de militares e de burocratas). Trabalhamos demais, mais do que
seria necessário para o que produzimos e com a qualidade com que o fazemos. Há
gastos exagerados, caixinhas de corrupção, redundâncias de produção, desvios de
verbas, alimentos de escolas que deterioram, material de segunda e terceira
comprados como de primeira, safras perdidas por falta de estradas para
escoamento, crianças que ficam anos excedentes nas escolas e uma lista
interminável das razões indolentes das elites brasileiras e capixabas. Nossas
experiências na Chave da Proteção (no lar, no armazenamento, na saúde, na
segurança, nos transportes) e em tudo mais são de baixo rendimento, muitos
esforços para pouco resultados.
De onde vem isso?
1) De um lado vem do fundo cultural
português, que era até a Revolução dos Cravos metropolitana de 1975 de manso aproveitamento
das colônias além-mar;
2) Do outro lado vem de falta de arrojo
de que necessitaríamos para multiplicar por quatro ou cinco os benefícios
civilizatórios tropicais, de modo a ir além desses 20 % (15 % de médios-altos e
5 % de ricos) até os outros 80 % (50 % de pobres ou médios-baixos e 30 % de
miseráveis).
Essa INDOLÊNCIA TROPICAL geral
(México, Índia, África, América Latina), em particular INDOLÊNCIA RACIONAL
BRASILEIRA é um compromisso com a diminuição dos daqui, que devem sempre ser
supostos menores que os de lá. O prêmio das elites traidoras sentimental e
racionalmente indolentes e autotravadas é um ou outro elogio aqui e acolá, como
é amplamente retratado na mídia nativa. Um outro cooptado e adesista é
estampado periodicamente na mídia de lá. Como tirarmo-nos dessa PROSTRAÇÃO,
essa depressão cultural ou nacional contínua, essa melancolia de escravo feliz?
Cabe justamente, como apontou Boaventura, criticar, atacar acerbamente a razão
descuidada e o sentimento negligente, a pensimaginação NÃO-COMPROMETIDA. E isso
passa por um DESENHO AMPLO DE COMPROMETIMENTO, um PROJETO DE FUTURO
COMPROMETIDO (conosco mesmo, é claro – sem medo nem vergonha de ser tropical e
feliz).
Como colorários do que diz Boaventura
apenas na capa de seu livro, poderíamos falar de:
·
Ciência
tropical engajada
·
Direito
tropical não-indolente
·
Política
tropical participativa
·
Transição
paradigmática tropical interessada da real libertação tropical e brasileira.
Há muito a fazer e quando mais cedo
começarmos, melhor será.
Vitória, domingo, 24 de agosto de
2003.
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