terça-feira, 7 de março de 2017


Indolência Tropical

 

                            O livro de Boaventura de Souza Santos, creio que filósofo português, A Crítica da Razão Indolente (contra o desperdício da experiência), Para um Novo Senso Comum (A ciência, o direito e a política na transição paradigmática), São Paulo, Cortez, 2000, soou-me desde o início extraordinário.

                            Sem ter lido senão umas passagens, quis identificar a RAZÃO INDOLETE com a RAZÃO TROPICAL, Aliás, sentimentos indolentes, razões indolentes, perspectivas indolentes, percepções indolentes de mundo, indolência geral que leva a essa perda contínua de nossas experiências de Conhecimento (indolências mágicas/artísticas, indolências teológicas/religiosas, indolências filosóficas/ideológicas, indolências científicas/técnicas e indolências matemáticas), em particular experiências Psicológicas (indolências das figuras ou psicanálises, indolências dos objetivos ou psico-sínteses, indolências das produções ou das economias, indolências das organizações ou das sociologias, indolências dos espaçotempos ou das geo-histórias) indolentes, ou, dizendo de outro modo, perdas tremendas nas ECONOMIAS (perdas agropecuárias/extrativistas, perdas industriais, perdas comerciais, perdas de serviços e perdas bancárias). Desperdícios, esbanjamentos – tudo isso que é fenômeno bem conhecido que vem dos “de cima” não terem consideração bastante e não temerem os “de baixo”. Nenhuma revolução apreciável, nenhuma ameaça substancial ao domínio dos dominantes acaba sempre por levar a essa tranqüilidade da superextração e do desperdício. Resulta que há sobretrabalho uterino, com muitas crianças mortas nos primeiros anos de vida (poderiam ser produzidas em menor número, com taxas maiores de sobrevivência), há sobretrabalho da Chave do Labor (de operários, de intelectuais, de financistas, de militares e de burocratas). Trabalhamos demais, mais do que seria necessário para o que produzimos e com a qualidade com que o fazemos. Há gastos exagerados, caixinhas de corrupção, redundâncias de produção, desvios de verbas, alimentos de escolas que deterioram, material de segunda e terceira comprados como de primeira, safras perdidas por falta de estradas para escoamento, crianças que ficam anos excedentes nas escolas e uma lista interminável das razões indolentes das elites brasileiras e capixabas. Nossas experiências na Chave da Proteção (no lar, no armazenamento, na saúde, na segurança, nos transportes) e em tudo mais são de baixo rendimento, muitos esforços para pouco resultados.

                            De onde vem isso?

1)      De um lado vem do fundo cultural português, que era até a Revolução dos Cravos metropolitana de 1975 de manso aproveitamento das colônias além-mar;

2)     Do outro lado vem de falta de arrojo de que necessitaríamos para multiplicar por quatro ou cinco os benefícios civilizatórios tropicais, de modo a ir além desses 20 % (15 % de médios-altos e 5 % de ricos) até os outros 80 % (50 % de pobres ou médios-baixos e 30 % de miseráveis).

Essa INDOLÊNCIA TROPICAL geral (México, Índia, África, América Latina), em particular INDOLÊNCIA RACIONAL BRASILEIRA é um compromisso com a diminuição dos daqui, que devem sempre ser supostos menores que os de lá. O prêmio das elites traidoras sentimental e racionalmente indolentes e autotravadas é um ou outro elogio aqui e acolá, como é amplamente retratado na mídia nativa. Um outro cooptado e adesista é estampado periodicamente na mídia de lá. Como tirarmo-nos dessa PROSTRAÇÃO, essa depressão cultural ou nacional contínua, essa melancolia de escravo feliz? Cabe justamente, como apontou Boaventura, criticar, atacar acerbamente a razão descuidada e o sentimento negligente, a pensimaginação NÃO-COMPROMETIDA. E isso passa por um DESENHO AMPLO DE COMPROMETIMENTO, um PROJETO DE FUTURO COMPROMETIDO (conosco mesmo, é claro – sem medo nem vergonha de ser tropical e feliz).

Como colorários do que diz Boaventura apenas na capa de seu livro, poderíamos falar de:

·        Ciência tropical engajada

·        Direito tropical não-indolente

·        Política tropical participativa

·        Transição paradigmática tropical interessada da real libertação tropical e brasileira.

Há muito a fazer e quando mais cedo começarmos, melhor será.

Vitória, domingo, 24 de agosto de 2003.

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