domingo, 5 de março de 2017


A Primeira Lee

 

                            Quando eu era jovem, lá pelos 13 a 15 anos, de 1967 a 1969 virou moda ter uma Lee americana (que, para nossa decepção, descobrimos depois ser feita lá em São Paulo mesmo – foi uma das primeiras e mais duras mentiras com que nos deparamos, todos os daquela idade, um descontentamento profundo), que o Cláudio Colodetti trazia depois de viagem de uma semana. Papai pagava, mamãe aprontava na máquina de costura e era uma felicidade poder exibir e ser aceito na comunidade como avançado, um que “tinha uma Lee”. As calças eram feitas de brim azul, como ainda são, e vinham, o que vim a saber depois, desde o século retrasado (século XIX, lá por 1850), derivando de rústicas roupas feitas para mineiros. Outras vieram e foram compradas depois, mas ninguém esquece a primeira. Depois foi a Lewis, que era “mais avançada” e mais bonita, com certeza, com uns cortes elegantes, nada rústicos, da burguesia mais acima.

                            E teve o primeiro relógio japonês Casio de fundo azul, compacto, pequeno, que mamãe me deu e provocou deslumbramento por meses a fio, tendo sido mais adiante roubado na UFES em 1973, no diretório Dido Fontes, na Engenharia. A primeira bicicleta, uma Monareta, da Monarck, que encantou anos a fio e depois não sei onde foi parar, uma pena a sua perda, sem falar no carro que andava e dava voltas e um modelo de avião movido também a pilhas (meu irmão mais novo ganhou na mesma época um martelo e deu nele uma cacetada, para grande pesar meu), que meu tio e padrinho Teodomiro (ele morava no Rio de Janeiro, terra das mais assombrosas novidades), a quem serei sempre grato, me deu.

                            E assim por diante tantas lembranças maravilhosas, não só as minhas, mas as de tanta gente, de um tempo em que havia poucas novidades e era muito difícil importar e até comprar, pois o dinheiro era consideravelmente mais escasso, não permitia muitos arroubos consumistas. Agora, quando tudo é mais fácil, não se dá tanto valor.

                            Em todo caso, é preciso fechar o fosso das gerações com a lembrança de coisas gostosas que permearam os momentos de dor e pânico, dos assombros das doenças, dos desaparecimentos súbitos de parentes e amigos. É preciso que alguém conte aos novos, aos que estão vindo, para que eles também recordem e contem aos da frente.

                            Vitória, quarta-feira, 06 de agosto de 2003.

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