quinta-feira, 19 de julho de 2018


Pequeno no Pequeno

 

Tendo chegado a Linhares com nove anos em 1963 deparei com um mundo completamente novo, como já relatei várias vezes: um mundo amazônico com muitos rios e lagos, inclusive com área pantanosa, a Suruaca, depois seca a pulso.

LINHARES, A AMAZÔNIA NO ESPÍRITO SANTO (das setenta lagoas do ES umas 50 ficam em Linhares)


O Rio Doce, com quase 1.000 km, passa lá.

DOCE MUITO DOCE (nós íamos com tios “batear”, passar a peneira nas margens do rio para pegar camarões, arrancando a cabeça e comendo-os crus com cachaça) – a ponte tem 670 metros de comprimento, a maior do ES.


Foi uma vida muito feliz até 1971, quando vim para Vitória tentar o cursinho no Colégio Salesiano. Então, durou oito anos entre datas, de agosto de 1963 a fevereiro de 1971.

Em Linhares, naquela época ainda com fartas florestas, a temperatura nunca subia além de 35⁰ ou descia abaixo de 15⁰ C, e ventava, ventava muito, além de chover à beça, como na Amazônia hoje. O sol queimava, mas brandamente, não era calor tórrido, causticante, abrasador, molesto. Meu irmão mais velho - sendo de 1943, 11 anos antes de mim - já tinha chegado aos 20 quando eu tinha nove e quando cheguei aos 17 em 1971 ele atingiu 27 para 28 anos, já estando casado desde os 25, creio, pelo que a faixa de que falo deve ter ido de 1963 a 1968, dentro daqueles 23 anos que foram do final da guerra em 1945 a 1968, os 23 anos mais felizes da humanidade.

Empregado como contador na concessionária da Mercedes Benz dos Sponfeldner ele saía às 17 e ia para a casa de mamãe e papai, que ainda está lá na Av. Governador Santos Neves, 1257, Centro; me pegava para carregar as varas de pescar e íamos de bicicleta, eu na garupa, até o rio Pequeno, como é chamado o rio São José por lá.

O RIO BEM PEQUENO (ele vai somente da boca da lagoa Juparanã até o rio Doce, onde deságua; nas épocas de cheia do Doce reflui e sobe em vez de descer, deixando a lagoa barrenta, pois a declividade é bem pequena e ele é bem manso) – é essa coisa bem miúda entre a lagoa acima e o rio Doce abaixo (em linha reta tem somente 6 km, embora serpenteando possa ter o dobro disso; bordeia à direita o baixio que outrora deve ter ligado lagoa e rio, havendo um paredão que dá para ele nos limites da cidade.


Descíamos por uma estradinha na olaria de lá e íamos às beiradas do rio, eu de ajudante, sem piar; ficávamos ali jogando as varas e ele pescando alguma coisa, porque eu sempre fui ruim nisso. A família era pobre e acho que ele fazia para ajudar – todo mundo contribuía como podia.

NALGUM CANTO AÍ (ficávamos na barranqueira, o calor tépido e a pasmaceira geral) – a cidade, claro, era muito menos desenvolvida que agora e teria menos de ¼ dos habitantes de hoje.


Ah, Que tempos! Naturalmente grande parte das pessoas das cidades pequenas fez algo semelhante, não há nada de especial em minha vida, só a felicidade, que foi muita quando era preciso que fosse, ainda que na pobreza.

É de contar essas coisas vividas que precisamos e não de filmes violentos e torpes, focados grandemente nas indecências malucas. Há milhões de chances de contar as vidas de outro tanto de pessoas através do mundo, como em O Menino do Kampung. Precisamos de finura, de dignidade, de inocência que dê o quadro de beleza. A vida não é feita de tiroteios apenas; não é coalhada de assaltos cariocas nas cidades do demônio.

Havia grandeza na simplicidade.

Vitória, quinta-feira, 05 de abril de 2007.

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