A Dor dos
Faquires e a Libertação do Mundo
A
questão dos faquires passa por ser muito simples: deitarem em camas de pregos, pairarem
no ar, ficarem enterrados vários dias e outras proezas que sendo verdadeiras ou
falsas são secundárias.
O
principal é a resistência à dor.
Evidentemente
eles não a evitam, os nervos continuam lá enviando mensagens ao cérebro,
mensagens de perigo, perigo constante no caso deles. Então, para quer sofrer?
Não deve ser pela necessidade da dor, os masoquistas desejam-na e não fazem
parte da religião hindu; pelo contrário, devemos imaginar que não tenham a dor
entre as suas mais altas aspirações. Usam-na como lição para si mesmos, para
seus pares e para os de fora. A dor não pode fazer parte do processo de
iluminação, porque de outra forma todo aquele que sofresse dor teria sido
iluminado - as mulheres que fazem parto natural, que o fizeram por milênios sem
fim, teriam sido todas iluminadas, bem como as pessoas que sofrem acidentes,
que são queimadas e outras, na conta de milhões e centenas de milhões através
da geo-história - mas sabemos de poucos iluminados.
Não,
a dor sucede a iluminação ou é apenas ponte.
Resistir
é a chave.
A
lição é que dor existe, mas as pessoas podem enfrentá-la se desejarem, se
tiverem disciplina férrea, dizendo de outro modo a humanidade não é construída
pela dor. Esse é o ensinamento central. A dor pode atingir alguém, mas essa
pessoa pode desconsiderá-la, ultrapassando a memória constante dela; pode de
fato deixar de sentir a dor, ou seja, deixar de colocar-se no centro para olhar
as coisas mais interessantes do mundo. A dor é só um aviso de agressão, não é o
agressor mesmo. O fogo gera dor, mas o gerador do fogo é o mais remoto gerador
da dor: extinga o gerador, não o que é gerado, pois o sumiço de um prego não é
o sumiço do gerador dos pregos, a fábrica de pregos.
Então,
ao enfrentar a dor o faquir está dizendo que Deus mesmo pode ser enfrentado
(mas não quer dizer vencido, claro que não); às vezes enfrentar Deus é aderir
mais fortemente a ele, é entender que a dor, ainda que aborrecida, é necessária
como aviso. Não que devamos gostar dela, apenas entender.
Por
conseguinte, o faquir ao extinguir a lembrança onipresente da dor e do EGO
extingue o próprio mundo, a necessidade do mundo como susto, como violência
contra a gente. Ele vai além de Buda, porque Buda ainda viu a necessidade dos
budas como sustentadores finais dos gênios, dos anjos, dos demônios, dos
deuses, dos criadores e dos mundos. O faquir diz: “Ah, Buda também é dor, ele
também é continuidade”.
Em
resumo, a questão dos faquires é mais ampla.
Vitória,
terça-feira, 16 de agosto de 2005.
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