sexta-feira, 25 de agosto de 2017


A Vida Privilegiada do Panelão Fechado

 

                            Há panelões abertos, como o de Iucatã, q.v. Há panelões no mar que são eminentemente abertos, pois a água entra por cima. E há os panelões de terra, como esse que presumi estar em Minas Gerais, pelas razões já apontadas.

                            Pelo fato de dentro do panelão se formar uma lagoona muito especial, fechada para tudo que vem de fora, a primeira vida a chegar e a se instalar irradia e coloca barreira aos estrangeiros, institui evolução-de-defesa, por assim dizer, excluindo os demais das redes ambientais. Os estrangeiros, que prosperaram lá longe e que não dispõe dos códigos físico-químicos e biológicos-p.2 de dentro vêem-se em dificuldades, assim como acontece nos ambientes psicológicos nos quais vivemos, quando alguém é hostilizado.

                            De início - dentro do panelão, com suas bordas altas - na lagoona profunda e de águas calmas alimentadas pelas chuvas não há do que ter medo e a vida chega a um tipo de equilíbrio delicioso logo; mas, quando chega um estrangeiro e vence as dificuldades iniciais, a vida de dentro balança terrivelmente, assim como nas reservas de mercado que foram abertas (o Brasil, a China são exemplos psicológicos).

                            O que pode haver de mais calmo que essa lagoona?

                            Não é o mar violento, com suas ondas e marés, suas mudanças contínuas, seu mercado aberto. Não é como os rios que vão passando – eles não alimentam a lagoona interna (se muito houver é mina de água). Não há ventos, porque as bordas cuidam de proibi-los. Não há predadores novos, com nova competição. Não há abalos, visto ser lagoona em cráton. Enfim, parece mais esse ambiente das elites brasileiras.

                            Em todo caso, é privilégio mesmo. Nem nos Lobatos em sua fase mais magnífica e pujante é assim. E hoje, naturalmente, toda aquela vida em estado de beatitude está tão morta quanto qualquer morto. Jaz no fundo do panelão, enterrada por camadas e camadas de aluvião, de quando o panelão foi fechado até a boca em cima. Centenas e centenas de metros de restos animais e vegetais – extratos formidáveis. Não sei se nesse tempo dá para formar petróleo, nem se as condições são ideais, mas em todo caso é o único lugar em terra em que é remotamente possível isso.

                            Vitória, terça-feira, 08 de fevereiro de 2005.

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