De Perto Nada é Calmo
Foi Caetano Veloso
quem percebeu com uma finura exemplar que “de perto ninguém é normal”, o que
pode render alguns filmes bem deliciosos. De perto, também, nada é calmo.
Quando olhamos a Terra de fora, como um astronauta ou cosmonauta a caminho da
Lua, o planeta parece calmo, mas se você aproximar a lente verá tempestades
ocorrendo nas nuvens. Delas, se olhar os oceanos estes parecerão um espelho;
aproximando-se você sentirá os ventos em torvelinhos, chuvas, monções, as ondas
revoltosas. Se estiver ao nível do mar o interior parecerá exemplar,
completamente calmo, mas lá para dentro os fogos internos da Terra estão
subindo e vazando através das fissuras. Se olhar uma placa de metal ela
parecerá brilhante, mas lá para dentro os átomos fervilham. Se pudesse olhar um
átomo este se pareceria talvez com uma superfície de espelho; no entanto, lá
para dentro os quarks estariam borbulhando também.
De perto nada é calmo,
nem ninguém é normal; é apenas a distância que favorece a impressão de nada
estar acontecendo. Então, PARA FAZER ACONTECER é só mudar o grau de visão, o
grau da lente que olha, é só olhar mais de perto e TUDO FICA ANORMAL E
VIOLENTO. Toda pessoa calma tem seus momentos de cólera e de afobamento, todo
santo seus furores. Porisso nenhum filme pode mesmo retratar a realidade,
porque é uma extração, um corte espaçotemporal ao gosto do diretor e dos
roteiristas, bem como da socioeconomia na qual se inserem. Como basta focar
para vermos as borrascas, o fato de não vermos só quer dizer que não estamos
focando – em volta de nós, em todas as PESSOAS (indivíduos, famílias, grupos e
empresas) e em todos os AMBIENTES (cidades/municípios, estados, nações e
mundos) estão rugindo furiosamente as perturbações. Nós vemos dentro de nós os
conflitos, só não vemos nos outros, que parecem calmos; só parecem, não estão,
não, porque tudo é ciclo.
Se pudéssemos olhar
com os olhos de Deus veríamos todas as almas quietas-inquietas ao mesmo tempo
ou seqüencialmente. De perto ninguém é calmo nem normal. Será porisso que
evitamos nos aproximar demais. Quando uma pessoa volta de uma longa viagem há
uma profusão de apertados abraços, ao passo que logo depois são feitas as
cobranças.
Vitória,
quinta-feira, 23 de setembro de 2004.
Nenhum comentário:
Postar um comentário