Domingo no Azul
Deve ser traduzido
perfeitamente do italiano e passar numa tela seqüencialmente, enquanto é
cantada baixinho naquela língua, porque só ficará bem nela. Mas um cantor
cantará a versão em português, enquanto noutro telão passam imagens da Terra
vista de fora – sendo toda azul com nuvens.
O astronauta que o intérprete
representa deve pintar mesmo com as mãos o rosto de azul, como faziam depois os
caras-pintadas no impedimento de Collor em 1992, acho – a música é de 1958. O
título acima se refere a Domenico Modugno, em português Domingo, referindo-se
ao dia de descanso de Deus (na realidade no judaísmo o sábado, sétimo dia, que
os cristãos mudaram para domingo). Numa estação espacial o astronauta coloca a
música e começa a olhar para baixo; a música repete, enquanto ele sonha com
todos os azuis. Então olha em volta, é só escuridão e desolação, não há nenhum
planeta azul vivo como a Terra, todos têm cores mortais; vê nos telescópios os
retratos da morte.
“Voar, ó, ó, cantar
(...) no azul pintado de azul”, feliz de estar lasso, frouxo, bambo, tranqüilo,
em paz (que é o contrário do que se está passando em baixo, claro). “Voando,
voando feliz, eu me encontro mais alto” nos dois sentidos, alto de estar a
centenas de quilômetros acima do solo e de estar eufórico (então passam cenas
de guerras e misérias). “Um vento rápido me levou e me fez voar no céu
infinito” – as imensas possibilidades desperdiçadas, a destruição de florestas,
o lixo nos lixões a céu aberto, em cima dos lençóis freáticos que contamina,
todo esse gênero de coisa. E, enquanto vai rolando indefinidamente a música, os
contrastes vão sendo mostrados, entre o que poderia ter sido e o que é que de
fato, todos os gêneros de perversões humanas, duas telas, a do astronauta
libertado e feliz no azul pintado de azul e da realidade que perversamente
construímos.
Vitória,
sexta-feira, 26 de dezembro de 2003.
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