segunda-feira, 24 de abril de 2017


Dois Fogos

 

                            Quanto mais raciocino sobre o Modelo da Caverna dos homens caçadores e das mulheres coletoras mais me admiro da separação que havia entre ambos e de como sobre ela pôde ser construída essa extraordinária parceria entre machos e fêmeas em nome do nosso futuro.

                            Vejo do isolamento que homens e mulheres consideravam diferentemente seus corpomentes, como deve ser, em razão do mero dimorfismo sexual, mas também aos objetos. Por exemplo, não viam da mesma forma o fogo, que não era um, eram dois, o FOGO DOS HOMENS (ou FOGO MASCULINO, de que participavam as pseudofêmeas) e o FOGO DAS MULHERES (ou FOGO FEMININO, em volta do qual estavam os pseudomachos). O FM era destrutivo, consumidor, violento, condição de defesa e de ataque às feras na caça, enquanto o FF era controlado, passivo, administrado com segurança, para proteção das mulheres e dos filhos e de todos os estropiados que ficavam. O primeiro era individual e isolado, o segundo coletivo e partilhado.

                            Eram dois fogos diferentes e os fogos descendentes deles são hoje ainda desiguais, o que pode ser investigado – terá deixado trilhas na maneira de acender e de controlar enquanto está aceso. O das mulheres é fogo utilitário, para servir, para produzir, ator coadjuvante, enquanto o fogo dos homens é ofensivo, é guerreiro, é atacante também, é FOGO DE VENCER, fogo de rompimento de defesas do adversário e do inimigo, fogo que se alastra. Não é fogo amigo, como o das mulheres, é fogo inimigo, fogo brabo, fogo atiçado, fogo contrário, fogo hostil, fogo mortal. O fogo das mulheres é familiar, íntimo, pequeno e administrável, governável, é caseiro, domesticado, particular, não foge do controle, não avança. Assim sendo, o outro fogo, o fogo alastrável lhes meterá medo pânico, terror absoluto, incontrolável, onde quer que elas se deparem com ele, ao passo que aos homens o fogo das mulheres parecerá desprezível, anão detestável, ínfimo, ineficaz, risível.

                            Se estou certo, essas duas formas de ver ainda poderão ser rastreadas tanto nas sociedades pós-contemporâneas quanto nas remanescentes indígenas dos tempos antigos e nos restos antigos todos.
                            Vitória, domingo, 04 de janeiro de 2004.

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