Corre, Floresta
Da música de Chico
Buarque e Francis Hime, Passaredo.
O Curupira, que no
Brasil é o ente de pés reversos, postos para trás, ruivo, de cabelos de fogo e
que protege as matas chega correndo espavorido e convoca os pássaros, num
tremendo alarido, uma confusão dos diabos, como se o próprio estivesse chegando
e é o anunciado do nascimento do ser humano.
No início tudo é
falado, como se fosse um diálogo na Floresta, até que lá pela frente passa a
ser cantado.
CONVOCAÇÃO (fala como se estivesse convocando os clãs)
·
Ei,
pintassilgo, pintarroxo, melro, uirapuru, chega-e-vira, engole-vento, saíra, inhambu.
CONSELHO (aos berros, aos gritos)
·
Foge
asa branca, vai patativa, tordo, tuju, tuim. Xô, tiê-fogo, rouxinol, sem-fim.
Some, coleiro. Anda, trigueiro. Te esconde, colibri. Voa, macuco, voa, viúva,
utiariti.
FALANDO
BAIXINHO (quase
inaudível – mas aparecendo as palavras num telão)
·
Bico
calado, toma cuidado (grita) QUE O HOMEM VEM AI, O HOMEM VEM AI, O HOMEM VEM AI
(cada vez mais triste e derrotado).
ALVOROÇADO
OUTRA VEZ
(apontando para a platéia, desce e vai tocando cada um na medida em que nomeia
e entrega folhetim falando daquele pássaro)
·
Ei,
quero-quero, oi tico-tico, anum, pardal, chapim. Xô, ave-fria, xô,
pescador-martim. Some, rolinha (nisso o telão mostra a Amazônia vista de noite
com as notícias de queimadas e são vistas baleias sendo destruídas, lixões,
florestas sendo derrubadas, animais sendo mortos, a lista de extinções, o
mercúrio contaminando os rios, o petróleo derramado, passarinhos capturados,
notícias de contrabando, etc.). Anda, andorinha, te esconde bem-te-vi. Voa,
bicudo (e vai num crescendo, com tambores tocando, com estridência de
trompetes, estilhaçamento, coisas rebentando, vidro partido). Voa, sanhaço,
vai, juriti.
NOVAMENTE
BAIXINHO, SOLENE
(mas falando ao ouvido das pessoas na platéia, uma por uma, repetindo,
repetindo, repetindo, como se elas estivessem sendo caçadas)
·
Bico
calado, muito cuidado, que o homem vem aí, o homem vem aí, o homem vem aí.
Aí soam sirenes de policia do lado de
fora do teatro e artistas vestidos de policiais vão entrando, ameaçando
espancar os espectadores e tudo vira uma arruaça tremenda, com fumaça, com
fogo, com barulho alto de moto-serra, com bombas caindo, com barulho de
tratores, tudo que há de destrutivo na floresta.
Começa a música, que se repete em
altos e baixos por um largo tempo até o clímax.
Vitória, segunda-feira, 29 de dezembro
de 2003.
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