sexta-feira, 24 de março de 2017


Esquecida Carmem

 

                            Maria do Carmo Miranda da Cunha é de Marco de Canaveses, Portugal (1909 a 1955, apenas 46 anos entre datas, para uma fama imorredoura), tendo mudado criança para o Brasil, foi para os EUA em 1939. Em somente 16 anos fez-se notar no que é não só o país mais rico como também o mais diversificado e exigente quanto a novidades dos pretendentes.

                            Não é fácil ser apelidada de “the Brazilian bombshell” (“bombshell” significa “2. Coisa (ou pessoa) atordoante, surpreendente, devastadora”). Muito sabiamente ele conservou o sotaque, fazendo-se passar por boba, e para se destacar diante dos outros passou a carregar na cabeça enfeites cada vez maiores com flores e frutos tropicais, chegando a ser enormes mesmo. Nos enfeites propagou as frutas, que foram depois largamente consumidas. Não se envergonhava da terra adotiva, pelo contrário, procurou divulgá-la. Tanto o povo daqui quanto o de lá a amavam e no seu enterro no Brasil milhares foram vê-la.

                            Não obstante, não vejo documentários brasileiros sobre ela, nem biografias, nem coletânea dos filmes, nem reedição das músicas, não vejo e não ouço nenhum agradecimento deste país mesquinho e envergonhado de si. Não há por aqui dedicação aos heróis, que se adiantaram para proporcionar divertimentos ou novos conhecimentos ou de qualquer modo buscar a libertação popular. Mais destacam os torturadores do período da ditadura militar que os torturados. Quem ouve falar de Manuel Fiel Filho, o operário que foi torturado e morto, ou de Vladimir Herzog, jornalista enforcado na prisão?

                            No Guia Nova Cultural de Vídeo de 1997 não consta nenhum filme com o nome dela, nem brasileiro nem estrangeiro.

                            Que devemos pensar de um país assim, que não fala de seu povo, suas lideranças, seus profissionais, seus pesquisadores, seus estadistas, seus santos e sábios, sua iluminada (Clarice Lispector)? Nem de seus artistas, enquanto investigação mais profunda. Fica tudo ao nível do folhetim.

                            Vitória, segunda-feira, 13 de outubro de 2003.

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