segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017


Difícil Caminhar

 

                            Desde quando comprei o primeiro computador que ficou nas minhas mãos, depois do primeiro de Clara e Gabriel (um 486 que custou absurdos R$ 4.040 – então o mesmo tanto de dólares – e deu defeito logo em seguida), já tivemos seis, um que é este onde escrevo, um que é o atual da Clara, um que foi dado a André e três que deram defeito ou foram pirateados pelos consertadores.

                            Em particular, esse primeiro meu foi consertado DEZOITO vezes (cada conserto a R$ 50, no total uns 900 dólares), cada uma das vezes significando a introdução das enciclopédias todas de novo, com um cansaço incrível da repetição. A gente não se incomoda de trabalhar, é fazer sempre as mesmas tarefas que enjoa.

                            E é isso que precisa ser pesquisado e exposto: quantas vezes a mais o terceiro e quarto mundos são obrigados a cumprir as mesmas cargas de trabalho, antes de obter algum produto útil, em razão de máquinas ou programas defeituosos, por exemplo, “adaptados às condições brasileiras”, ou seja, de superexploração.

                            No mínimo é vergonhoso.

                            Encarnar nos EUA, na Suíça, no Japão, em Luxemburgo é fácil, agora, depois que as coisas estão relativamente prontas, ao passo que fazê-lo por aqui é complicado. É como as mulheres que sobressaem, devendo trabalhar em dobro, ou os negros, que devem ralar pra caramba antes de conseguir colocar a cara de fora, ao Sol da criação.

                            Do mesmo modo nós, da América Latina, ou Latrina, como gosto de dizer, a América podre, “dificultosa”, como diz o povo. América espinhosa, caminho complicado de pisar. Tudo deve ser feito com muito jeitinho, muito compassadamente, com extremo cuidado e atenção. Não é fácil prosseguir.

                            Nos EUA um carro é comprado com 1/3 do salário de um ano, ao passo que aqui dependemos de oito anos, proporção desfavorável de 24/1. Do mesmo modo máquinas e programas, de modo que não admira mesmo nada que eles produzam mais, para não falar dos impedimentos sociais, da descrença, dos choques com todo tipo de má-vontade governempresarial.

                            Enfim, é um verdadeiro milagre que consigamos fazer qualquer coisa de útil para o mundo.

                            Vitória, domingo, 25 de maio de 2003.

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