quarta-feira, 21 de dezembro de 2016


Somente o Necessário

 

                            No filme Mogli, O Menino-Lobo, de Walt Disney, o menino indiano sobrevive nas selvas. O filme foi baseado em estória do livro The Jungle Book (O Livro da Selva, de 1894, traduzido como Mogli, o Menino-Lobo), do romancista inglês Rudyard Kipling, nascido em Bombaim, Índia, em 1865 e falecido em Londres, Inglaterra, em 1936, 71 anos entre datas. Tendo sido criado por animais, em especial uma macaca (mesma base de Tarzã), teve como companheiros um urso, Balu, e uma pantera negra, cujo nome esqueci, além dos próprios macacos.

                            Lá pelas tantas todos eles cantam uma canção que me cativou por décadas a fio, “Somente o Necessário”, cujo autor desconheço. É muito bonita, tanto letra quanto música, e é emocionante, porque durante essas décadas eu a tive como um guia. E é verdade, a gente precisa somente do necessário, o extraordinário é demais.

                            Contudo, o problema reside justamente em saber o que é o necessário, e necessário PARA QUEM. Suponhamos que vamos a um supermercado hipotético e rotulamos as mercadorias (todas as que existirem) como essenciais e supérfluas, colocando selos E e S. Outra pessoa que vier logo em seguida fará outras escolhas, e assim por diante. DE quantos modos cada item pode ser rotulado?

                            O modelo ensinou que há cinco (5) classes do labor: operários, intelectuais, financistas e militares, mais o centro, burocratas. As classes de produção ou econômicas são cinco também (5): agropecuária/extrativista, industrial, comercial, de serviços e bancária. Os sexos devem ser quatro (4): machos, fêmeas, pseudomachos e pseudofêmeas. As idades poderíamos ver como cinco (5): crianças, adolescentes, adultos, maduros e velhos. Os mundos são quatro (4): primeiro, segundo, terceiro, quarto. As Naturezas são seis (6): N.0 (físico-química), N.1 (biológica/p.2), N.2 (psicológica ou humana), N.3 (informacional/p.4), N.4 (cosmológica/p.5), N.5 (dialógica/p.6). As classes da riqueza são quatro (4): ricos, médios-altos, pobres e miseráveis, cada uma divisível em outras quatro. Os modos de conhecer são cinco (5): Magia/Arte, Teologia/Religião, Filosofia/Ideologia, Ciência/Técnica e Matemática, cada um se separando em seis outros submodos.

                            Aí já teríamos 5 (labores) x 5 (produções) x 4 (sexos) x 5 (idades) x 4 (mundos) x 6 (naturezas) x 4 (riquezas) x 5 (conhecimentos) = 240.000 modos de escolher o que é essencial ou supérfluo, o que é vital e o que dispensável.

                            Podemos pensar nos humores (estados de espírito: tristíssimo, triste, indiferente, alegre, alegríssimo - cinco), na disciplina (não se confunde com os anteriores, porque uma pessoa pode estar muito alegre e ser tão disciplinada que não se deixe gastar em excesso – disciplinadíssima, disciplinada, média, indisciplinada, indisciplinadíssima, também 5), estar sozinha ou acompanhada, comprar para si (sabidamente as pessoas preocupam-se menos consigo) ou para outros (companheiro/a, família, grupo, empresa). Aí já passam de 20 milhões as possibilidades.

                            Como depende do tempo disponível, da temperatura, de estar chovendo ou não e enfim de um milhão de condições, haverá tantas escolhas quanto há seres humanos. Depende de a pessoa estar apreensiva ou não, de haver morrido um membro da família, de tantas condições que é verdadeiramente indescritível.

                            Além disso, como tudo é 50/50, soma zero, os dois lados se equivalem em termos de arrastamento econômico e sociológico, socioeconômico ou produtivorganizativo. Quer dizer, tanto o imperativo quanto o superabundante possuem capacidade de fazer prosperar. Há gente de espírito simples e há gente afetada. Ambos os grupos podem ser iluminados. E em ambos haverá gente que nunca perceberá nada.

                            Pode ser interessante para o meu modo de ver as coisas o “somente o necessário, o extraordinário é demais”, mas isso não se prende diretamente aos objetos a escolher, nem por sua forma nem por seu conteúdo. Poderíamos dizer que comprar dez pares de sapatos é demais? A Imelda Marcos tinha três mil pares. Acho que aqui realmente há o excesso, pois a pessoa só tem dois pés e mesmo calçando um por dia ainda vai levar 8,2 anos para pôr todos. Qualitativamente já vimos que não pode ser, não há limite para a riqueza, nem para a liberdade de escolha. Entretanto, como em relação à riqueza, há excesso quantitativo, que eu, entretanto, não sei traçar. Seriam 50 pares o limite? Materialmente deve haver algum, mas isso logo se transforma em qualidade, porque na mente doentia dela três mil era só um número ostentatório. Não eram pares reais de sapatos senão depois. Por princípio eram números reveladores do poder, do bloqueio das vontades alheias pela libertação exagerada da sua. Nisso temos de novo a qualidade.

                            E com isso o debate prosseguiria.

                            A saída é cada um fazer a sua escolha e o mundo ir seguindo em frente, até onde der. Há livre arbítrio, tanto de quem escolhe, quanto do lado dos que se lhe opõe. Se, pessoalmente, não é possível decidir, do lado ambiental os choques decidem pelas pessoas.

                            Vitória, quarta-feira, 24 de julho de 2002.

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