Reclamações
Um
colega de serviço, AMM, disse que eu reclamo muito, e isso me fez pensar numa
das oposições/completações, otimismo e pessimismo. Evidentemente o modelo diz
que nenhuma é, e as duas são boas e ruins; os extremos polares, onde cabem o
“ismo” (sinal evidente de doença do info-controle ou comunicação mais hábil,
mais apta, agoraqui da humanidade), são ambas perigosas (mas trazem muitas
promessas – a Natureza usa tudo a seu favor).
A
Natureza é só uma regra apertadíssima, minimax em termos de sentimentos, sem
folga, para o crescimento do info-controle; ela descarta imediatamente, sem
raciocínio, o que quer que seja ofensivo à continuidade. Neste caso, pode
descartar o otimismo ou o pessimismo, ou ambos, conforme os ciclos. O resultado
é que ambos podem ser bons e ambos podem ser ruins, ou pode-se usar qualquer
mistura dos dois, ou ficar no meio, conforme a utilidade no ciclo.
Posto
isso, devemos raciocinar que a pessoa que reclama, ao contrário do que pode
parecer, é o otimista, porque o pessimista nunca reclama – para ele tudo está
bom sempre, e ele se esconde no mutismo. É o caso do AMM; então ele cai na
bebedeira, na idolatria da ausência, da perda da batalha antes dela começar.
Era pessimista Arjuna na batalha em que no Bagavad Gita Krishna se põe a
convencê-lo de que o não-movimento, ahamsa, não é necessariamente bom. Arjuna,
assustado, pondera que qualquer movimento seu haverá de destruir algo ou de
matar alguém que ele ama, ou seja, a sim mesmo, ao que o Senhor K diz que o
mundo é dor, mas é essencialmente movimento, portanto busca do equilíbrio. Não
fazer é o mesmo que esquecer as obrigações, é não lembrar que a dor traz, do
outro lado, a satisfação, o prazer. Não criar significa, no fundo, ficar no
zero do equilíbrio, no que é, como disse a Clarice Lispector, o vazio do
equilíbrio. Equilíbrio também tem hora e lugar, ou de outro modo tudo seria só
uma reta, sem pulsação do corpo morto; o silêncio do cemitério não sendo
conflito, mas também não sendo nem informação nem controle.
A
questão é que quem reclama ainda está lutando pela vida, enquanto quem não
reclama já morreu. Você pode pensar que esse morto ou semimorto, esse zumbi,
não serve à Natureza, mas estaria errado: estar quieto, parado, calado, pode
fazer sobre-viver para ter descendência. Não é senão porisso mesmo que há gente
pessimista no mundo – eles têm valor de sobrevivência, realizam isso que chamei
de “corte darwiniano”, o que cinzela a Vida geral e a Vida-racional, em
particular.
Se
segue que reclamar ou não reclamar estão no mesmo patamar. Se gosto mais de
reclamar é porque vejo como covardia essa ausência, como não-responsabilidade,
como não-enfrentamento, e isso eu não quero para mim nem perdôo nos outros.
Eis
que, sem querer, AMM tocou num ponto nevrálgico, muito sensível, crucial mesmo,
que define as civilizações das elites, as sociedades do povo e as culturas ou
nações ou povelites. Fundamentalíssimo, em poucas palavras, razão pela qual
abordei o assunto. O ahamsa é importantíssimo, mas o movimento é essencial, com
todo o custo implícito, pago em dores por vezes terríveis. Não é a dor que é
desejada, em nenhum caso, mas o que ela nos ensina como tolerância. Não é o
pessimista que é tolerante e democrático, pois sua opção de não-movimento
conduz à ditadura, à tirania, ao domínio de uns pelos outros.
Vitória,
sábado, 17 de agosto de 2002.
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