quinta-feira, 22 de dezembro de 2016


Aprendendo a Desaprender

 

                            Como é que se dá esse mecanismo em cada setor de atividade humana? Seria preciso investigar isso a fundo e renderia muitas teses de mestrado e doutorado.

                            Por exemplo, na Ciência a coisa é mais intensa, e é aceita com certa naturalidade, desde quando a renovação é até estimulada. Os paradigmas ou programas antigos de busca, as linhas de pesquisa, são substituídas constantemente por paradigmas ou programas novos, novas teorias que desbancam as mais velhas.

                            Na Filosofia isso é muito mais difícil, as idéias vão se acumulando por séculos e mesmo milênios, sem nunca saírem de cena. Vão crescendo como certos peixes, ou são como ostras, que em volta das impurezas criam a crosta que é a pérola. Vai sempre somando, sem nunca diminuir. Daí eu ter escrito nas posteridades o texto denominado Filosofia Epistolar, indicando que ela é acumulada em torno das cartas que são escritas pelos mestres aos discípulos.

                            Na atividade empresarial é mais dinâmico, também, porquanto as patentes, de um lado, e o desaparecimento das firmas do outro, proporcionam o corte darwiniano necessário na seleção artificial socioeconômica.

                            Enfim, como é que as velhas memórias são eliminadas para abrir espaço às novas?

                            Como é que pessoas (indivíduos, famílias, grupos e empresas) e ambientes (municípios/cidades, estados, nações e mundo) livram-se das velharias, das idéias inservíveis, para admitir a nova pesquisa & o novo desenvolvimento (P&D, no Brasil, e R&D nos EUA)?

                            Não há, naturalmente, nenhum mecanismo plenamente identificado ou instituído para essas substituições, nenhum órgão ou instituto governempresarial pessoambiental políticadministrativo de re-capacitação. Não há. Não temos ninguém que fique vigiando o envelhecimento das idéias ou conceitos ou estruturas, e das formas ou imagens ou sentimentos. O que há é uma brotação de ritmo lento, natural, não estimulado artificialmente, não focado pela razão, de coisas novas, de novidades.

                            Ninguém nos ensina a desaprender o passado para abrir caminho para o futuro. Ninguém.

                            Cada um que vá por si mesmo se quiser.

                            Na maior parte do tempo, na maior parte do espaço, para a quase totalidade dos agentes, o desaprender não é tão estimulado quanto o aprender. É claro que os dois pólos são confundidos, o que mostra a ignorância de quase todos e cada um desses. Como o aprendido é novidade e vai se somando com as velhas formestruturas do SER/TER, uma coisa passa pela outra, quando flagrantemente não é. Como o aprender empurra para os lados os conhecimentos antigos, ninguém argumenta o contrário, ninguém estuda o argumento oposto/complementar.

                            Des-aprender é expurgar os velhos saberes, os saberes caducos, obsoletos. Esse movimento de purificação ninguém nos ensinou a fazer. A Ciência, digamos, não vem nos dizer quais conhecimentos, dentre aqueles que mantemos em nós, já não é aceito. Não há uma listagem anual dos paradigmas suplantados.

                            Enfim, nem o aprender é orgânico, nem o desaprender.

                            É como diz o povo: cada um por si e Deus por todos.

                            A sociedade ou coletividade não passa de um verniz sobre o caos das sensibilidades e das razões.

                            Vitória, sábado, 17 de agosto de 2002.

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