A Parentada que Veio nos Visitar
Minha mulher é chegada
nisso de assombração, de receber os espíritos. Que maluquice! Eu não falava
nada. Tá maluco? Eu é que teria de conviver com ela buzinando nos meus ouvidos
dia após dia, mês após mês. Tá doido? Nunquinha mesmo. Fingia aceitar, fingia
até acreditar. Ela continuava com as demências dela e eu continuava a ir ao bar
beber com a rapaziada. Rir dela, contar pra quê? Mais ou menos todo mundo
passava pela mesma situação, menos o Aderaldo, que acreditava nessa porcaria.
Um dia foram uns
parentes nos visitar, irmã e prima da minha mulher com os respectivos maridos.
Tiraram férias juntas e vieram todos. Até que era rapaziada boa, saíamos pro
bar do Zezão e ficávamos bebendo lá e contando lorota toda tarde. Eles também
fingiam que acreditavam. Ou acreditavam mesmo. Olhei o Namir explicar que era
assim e assado, o Jorge olhava de banda, eu concordava, é isso mesmo.
As três mulheres
conspiravam em casa.
Já li que tem um
diagrama chinês que significa “mulher”, mas se juntar três deles significa
“fofoca”, coisa assim, quero buscar na Internet, mas fazer como, por onde
começar? Se eu achasse aquele livro de novo, seria bom, ia mostrar pra
rapaziada, eles concordam, é a pura verdade mesmo.
As três conversavam.
Montaram tudo e foram
aos poucos contando respectivamente para cada um de nós, até que ficou acertado
fazer uma “seção espírita”, com aquela boiolagem de dar as mãos, é ridículo
mesmo esse negócio de pegar em mão de homem, chega a dar ziquizira, incomoda, sei
lá, é uma coisa ruim. Pegar em mão de mulher é natural, mas em mão de homem é
ruim. Já perguntei pra mais de 50, ninguém gosta.
Ficamos lá, aquela
palhaçada, as luzes apagadas, as mãos dadas um homem uma mulher, a rezação,
“vem, vem”, fulano e beltrano. Aí “incorporava” e uma das mulheres começava a
falar esquisito, eu por dentro rindo, que dementes. “É você, fulano?” E a voz
cavernosa respondia isso e aquilo. É lógico, sempre sabemos uma coisa ou outra
que nosso inconsciente pega no ar, os demais desconhecem e das muitas coisas
que se diz uma ou outra, só por destoar, já parece coisa do outro mundo. Se em
nossos tempos esclarecidos é assim, quanto mais lá para trás, de onde vem as
lendas. Os cientistas bem que poderiam explicar, se quisessem perder tempo com
isso. Acho até que já explicaram, li por aí em livros e revistas. Se eles se
dedicassem desmascarariam tudo isso, eu pensava. Mas, também, para onde iria a
inofensiva diversão do povo?
De forma que a coisa
caminha nos desvãos das permissões.
Eu ali raciocinando
assim, enquanto em volta ia o arranjo, até que, juro por Deus, apareceu mesmo
uma sombra, uma luz tremeluzente, um fantasma, se você quiser chamar assim, não
tenho explicação, bem ali na minha frente. E não era só eu que tava vendo, não,
era todo mundo. Depois apareceu mais um tio da Magda, meu avô Benedito, uma
vizinha que tinha batido as botas, foi aparecendo um depois do outro. Como
explicar algo assim? Estou pasmado até hoje. É claro que hoje em dia eu
acredito. Como não acreditar? A gente não fala para ninguém, não senhor,
ficamos de bico fechado.
Até porque essa
parentada que veio nos visitar, mais de trinta (fora os outros que foram embora
com a prima e a irmã), ainda está lá em casa. Abre as gavetas, mexe na
geladeira, faz buracos no quintal, virou uma merda só, vou te dizer, um cocô de
vida. Eles dormem pendurados no teto, encostados nas paredes. Se vem alguém
visitar não vê nada e as crianças perguntam pelos barulhos que ouvem. A Magda e
eu disfarçamos. Ela foi procurar o padre, mas ele não quer vir exorcizar, diz
que é complicado, tá no filme, parece que é mesmo, além do que exorcismo é só
quando há possessão e neste caso não há, eles não incorporam em ninguém, pelo
menos essa delicadeza. Temos uns pega-pra-capar tremendos com eles, verdadeiros
bate-boca. O pessoal de fora pensa que a Magda e eu estamos brigando, não é
nada disso. Ela chegou até a ir a um terreiro, veio uma mãe de santo, mas foi
inútil, eles não vão embora, tá uma titica.
Já trouxe água benta que
catei na Igreja de Santo Antônio, esparramei na casa, mas deu em nada, a
parentada só ri. Droga, droga, droga. Parente quando encarna é uma porcaria. A
trabalheira que dá para consertar as coisas não tá no gibi. Já saímos de férias
seis anos seguidos para os lugares mais estranhos, mas eles vão junto.
Tô te falando, cara, não
chame os parentes.
Vitória, sábado, 12 de
março de 2005.
Nenhum comentário:
Postar um comentário