Escrever Sobre Duas
Armadilhas
Nosso amigo W,
agente de patentes, me disse recentemente para eu falar dos tempos de
juventude, de 30 anos atrás. Ele não quer meu mal, é claro, sinto amizade nele,
mas é uma armadilha, claro: 1) conto por um preço de capa bem baratinho coisas
que ninguém sabe, desde ponto de vista privilegiado, e privilegiado meramente
porque ninguém o viveu, colocando algumas pessoas (mesmo somente com iniciais)
e correndo o risco de desagradá-las, porque mesmo sem qualquer intenção disso e
até pelo contrário tal risco sempre se apresenta; 2) sirvo de testemunho
histórico, se houver qualquer importância posterior dos personagens; 3) divirto
talvez com “verve” os leitores (com muita sorte os abordados também acharão
graça); e assim por diante.
Meus irmãos AJG,
mais velho, e RPG, mais novo, sugeriram há 25 anos que eu escrevesse livros de
ficção científica. Isso deturparia os elementos da minha criação, porque se
tudo se passar por ficção as pessoas não precisarão se engajar, se empenhar em
compreender, e do outro lado se estaria rebaixando o contador a largar mão de
vez de suas intenções de tecnociência. E PFR me disse para “rebaixar” o nível
de expressão dos textos que escrevo, de modo a permitir sua leitura pela gente
comum. Isso daria a falsa impressão de o tatibitate expressivo ser o meu jeito
de colocar os fatos: 1) as elites ficariam irritadas pela obrigação de ler em
conotação infantilizada; 2) o povo ficaria igualmente aborrecido por ter sido
julgado incompetente de realizar o esforço mais alto de leitura. Claro que PFR
é meu amigo, sinto isso, mas é que por vezes até as boas intenções dos amigos
podem se mostrar armadilhas.
Tanto as sugestões
mais antigas quanto a mais recente são no conjunto, claramente, armadilhas,
embora totalmente involuntárias, eu o sei; continuam sendo, involuntárias ou
não. Entrementes, às vezes até armadilhas são boas escolas, porque é necessária
alguma capacidade para torná-las inócuas, ineficientes em sua falta de
propósito, e virados do avesso, tornando-as frutuosas para todos os envolvidos.
Assim, decidi
escrever os livros, os dois.
É bom, sim, porque a
construção precisa ser muito mais operosa, detalhada e fina do que normalmente
seria.
ISSO me atrai: o
jogo dentro do jogo dentro do jogo.
Vitória, sábado, 25
de setembro de 2004.
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