Adão Olha da
Escotilha de Ré
Na seqüência da
coletânea Adão Sai de Casa (dei esse
nome para amenizar a expulsão, deixando a ele alguma dignidade) ele é banido de
Paraíso, na estrela Canopus, mais de 300 anos-luz do Sol e, tendo escolhido a
Terra, faz as malhas e parte para a nova residência, muito primitiva. Terá de
construir tudo do zero, não é como na casa paterna em que tudo é dado de
bandeja - lá (aqui) ele teria de trabalhar, construir uma residência para si e
os seus e o resto da trabalheira toda pelos 930 anos que lhe foram dados.
Então, como muito
tempo depois Abraão haveria de olhar em desespero as ruínas da Tróia Olímpica
em chamas da qual se retira com seu pai Taré em fuga, Adão olha pela escotilha
de ré o planeta de que está irremediavelmente se afastando para nunca mais
voltar. Mas Abraão perde um passado venerando que poderá rememorar para seus
filhos e netos, enquanto Adão perde o futuro, aquilo que poderia ter sido e o
que poderia ter tido junto a Deus; e se acabrunha, fica deprimido de um modo
que ninguém poderá compreender depois. Noutra sala da grande nave está Eva,
ainda mais deprimida, pois a causa de tudo foi ela, mais que Adão, de ter
sucumbido à ambição de manipular o Plano da Criação.
Olhando o passado
que se vai Adão pensa no futuro que por mais que seja admirável para nós era
medíocre para ele, que já tinha tudo e podia ver todo O Mundo, a Criação
inteira, lá do Console que lhe foi dado. Ele dobra a cabeça e chora (ainda com
aquele corpo alienígena que vemos no Vaso de Warka, diferente daquela da outra
ocasião de Adão Chora, Livro 67,
quando ele já tem corpo humano). Só compreendemos que é choro porque imita o
humano e um fio de qualquer gosma escorre. Deve ser frisada a nave levantando
do solo, ele sempre na retaguarda, amargurado, vencido, mas decidido a apoiar
Eva até o fim, ainda que também tenha negado o amor a Deus, participando da
conspiração.
O planeta vai
ficando cada vez menor e mais distante e a cabeça alien vai se reclinando grau
a grau, lentamente e ele em desespero fala “Pai”, quase inaudivelmente, a
câmara chegando a ele em close para ouvir.
Vitória,
quarta-feira, 10 de março de 2004.
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