quarta-feira, 22 de março de 2017


Regressão

 

                            A cena de abertura é de uma exposição de carros, casas e objetos futuristas, 20 ou 30 anos à nossa frente (o que pode ser projetado a partir de agora pelas escolas de desenho), com as pessoas convenientemente vestidas para tal data futura. Um décimo do filme se passa ali e só quando as pessoas vão para casa é que se nota que era uma FESTA RETRÔ, tipo “vestido como na década dos 1930”, e que as casas atuais são como as nossas do passado, isto é, o futuro desse “universo paralelo” é nosso passado e vice-versa.

                            Assim, na vida comum eles projetam coisas “avançadas” cada vez mais para trás, isto é, cada vez mais simples, do nosso ponto de vista, mas do deles cada vez mais complexas e elaboradas. Eles sonham com o feudalismo e o escravismo (há gente assim em nosso meio, você sabe), com uma vida cada vez mais singela e descomplicada, com cada vez menos gente, cada vez menos prédios e tudo que pode significar efetivamente essa simplificação.

                            Como em O Homem do Castelo Alto, de Philip K. Dick (onde a discussão é se os fascistas poderiam ter sido derrotados e o que resultaria disso), as pessoas discutem se poderia haver um mundo no qual o tempo corresse ao contrário, do futuro para o passado (que seria o nosso mundo), quer dizer, um lugar “horrível” que fosse das coisas simples para as complexas; como seria tal mundo tão improvável? E aí é inserido o roteiro, que pode ter algumas ações ou superações, como é trivial, do filme-piloto decorrendo uma série que fará raciocinar tanto os roteiristas quanto os telespectadores.

                            Naquele outro mundo, em que as pessoas estão pensando ferrenhamente em como se desfazer das complexidades que lhes causam mal, é abismal, é contra-senso, é pura perversidade pensar em tornar tudo mais complexo, difícil, ininteligível, implicando em solidão humana crescente do indivíduo. Pura diversão, mas instigante, pois nem tudo do passado é desprezível. Contando com isso, muitos desse mundo alternativo defenderão o nosso futuro (o passado deles), recebendo em cheio a estranheza da restante humanidade como excêntricos ou no mínimo heterodoxos, chegando até à pregação terrorista, sendo perseguidos pelos governempresas.
                            Vitória, segunda-feira, 06 de outubro de 2003.

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