sexta-feira, 24 de março de 2017


Morrendo pelo Estômago

 
                            As tais operações bariátricas, de remoção de parte do estômago em pessoas em condição de obesidade mórbida, mortal, estão se tornando cada vez mais comuns, mas o TAO, a dialética e o modelo dizem que tudo que é suposto muito bom mostra-se também como muito ruim.

                            Nos EUA a renda médico-hospitalar gerada é de US$ 3 bilhões por ano, cada uma dessas operações custando US$ 25 mil, pelo quê devem estar sendo operados 120 mil por ano (por comparação com 500 mil operações de coração). Como o crescimento do número é de 10 a 12 % ao ano, mesmo no percentual menor os dois números, de cardíacos operados e de remoções, será igualado em menos de 15 anos, antes de 2020. E dobrará em apenas mais 7 anos, chegando ao primeiro milhão em 2025, depois a dois milhões em 2032, ou até muito antes, porque existem nos EUA 60 % ou mais de obesos, que logo se acharão mórbidos, ou acharão que isso levará à condição de doença cardíaca em breve. A população dos EUA sendo de algo em torno de 290 milhões, 60 % são quase 175 milhões, algo assim como a população inteira do Brasil, onde há um milhão de obesos mórbidos, logo de um lado se espalhará o pânico, com as “boas notícias” do outro. Dois milhões de operados por ano ainda será pouco, mas os médicos e suas corporações, a título público de ajudarem os outros, não se saciarão com esse potencial de US$ 50 bilhões ainda distante 30 anos e procurarão antecipá-lo, na medida em que as operações se tornem mais seguras, morrendo hoje 0,5 % ou 1/200 (mas numa única semana no ES morreram quatro). Como os Estados Unidos constituem ¼ da economia mundial, podemos esperar que naquela data US$ 200 bilhões estejam sendo canalizados para supostamente curar os gordos.

                            Acho positivo, esse esforço, se ele não for solitário, indecentemente único, sem que passemos por uma PEDAGOGIA DA CONTENÇÃO, uma escola em que se ensine moderação, e não estou vendo esforço nenhum, em parte nenhuma do mundo, para ensinar a humanidade a comer menos, a se saciar com o mínimo que mantenha e desenvolva corpo e mente. Não vejo a Academia (universidades e institutos) estudarem o Corpomente Ideal do ser humano. Não vejo a retomada contida do estoicismo (o estoicismo é doença, pois todo “ismo”, sendo doutrina, é superafirmação, neste caso do estóico, da contenção – contencionismo) de Zenão de Cicio (cipriota, 335 a 263 antes de Cristo) que a criou por volta de 300 a.C., quer dizer, não está havendo discussão da DEPENDÊNCIA MENTAL, quando estaríamos enfrentando as CAUSAS PÚBLICAS dos problemas que nos atenazam, que nos atribulam. Fica tudo como se fosse corporalmente castigo do indivíduo, no máximo de sua família. Ninguém estuda as causas públicas da obesidade, todos os conflitos que são transferidos aos indivíduos e que este amortece comendo e praticando atos psicopatas ou sociopatas, ou castigando-se de mil formas. O peso desaba literal e metaforicamente apenas sobre o indivíduo e sua família.

                            Ninguém se volta para estudar a coletividade e os males que ela varre para debaixo da pele dos pobres-coitados. O sujeito engorda, fica imenso e então a sociedade o castiga vexaminosamente, empurrando-o para a operação, em que uma fração morre e a grande maioria está condenada a tomar um copinho dos de café de carne batida em liquidificador por dia. Em vez de seguir pelo caminho difícil da reeducação alimentar e social pegamos a trilha fácil dos cortes.

                            Julgam-se unicamente os indivíduos e as famílias, nunca as comunidades em que estão inseridos.

                            Vitória, sexta-feira, 10 de outubro de 2003.

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